Mercados financeiros resistirão à inteligência artificial?

Numa manhã de segunda-feira, em maio de 2023, os mercados financeiros americanos tiveram uma queda brusca. A foto de uma explosão no Pentágono, próximo à capital Washington, estava se alastrando nas redes sociais e vazando para os websites de investimentos mais populares.

Tratava-se de um atentado? Os investidores aparentemente acharam que sim. Bolsas de valores costumam ter mau desempenho nos estágios iniciais de um conflito internacional: o índice S&P 500 caiu 0,3% – a cotação mínima do pregão – e investimentos seguros, como ouro e obrigações do Tesouro, começaram a se impor.

Dentro de poucas horas, tudo voltou ao normal: constatou-se que a foto era falsificada, segundo peritos possivelmente gerada por inteligência artificial (IA). Porém – com as imagens virtuais cada vez mais realistas e mais fáceis de fabricar – essa conflagração de pânico entre investidores põe em questão o que a IA representa para a estabilidade dos mercados de finanças.

Apreensão quanto aos perigos da ascensão da inteligência artificial não falta: desinformação, deepfakes e a extinção da espécie humana são apenas algumas das preocupações que figuram no debate público sobre essa tecnologia.

Transações algorítmicas à mercê da IA

Em maio, Gary Gensler, diretor da agência americana para combate à manipulação de mercados, a US Securities and Exchange Commission (SEC), afirmou que a IA pode representar um “risco sistêmico” capaz de desencadear a próxima crise financeira.

Assim como outros especialistas, ele está especialmente apreensivo com as consequências da inteligência artificial generativa, que inclui o ChatGPT e é capaz de produzir textos, sons e imagens complexos, como a do suposto ataque ao Pentágono.

Repartições reguladoras dos Estados Unidos e da União Europeia estão atualmente trabalhando para regulamentar a tecnologia. No que concerne às imagens falsas, quanto mais realistas e frequentes elas se tornam, maior a ameaça que representam para os mercados financeiros – até que se encontre um modo de detectá-las facilmente.

Adam Kobeissi, redator-chefe de The Kobeissi Letter, uma publicação semanal sobre o setor financeiro, atribui o fenômeno ao fato de os grandes movimentos do mercado estarem reagindo mais imediatamente às notícias de grande impacto.

“Muitos desses movimentos estão ocorrendo devido ao comércio de alta frequência, o comércio algorítmico”, comentou à agência de notícias Associated Press. “O qual basicamente consiste em pegar manchetes, sintetizá-las e aí traduzi-las em transações em ritmo de milésimos de segundos.”

O comércio algorítmico de ações é um tipo de transação feita por computadores, empregando um pacote de operações treinado para reconhecer padrões passados e negociar com base neles. “É basicamente como apertar o gatilho toda vez que sai uma manchete”, resume Kobeissi.

Internet intensifica comportamentos já existentes

Contudo, Nir Vulkan, professor de economia comercial da Universidade de Oxford, ressalva que esse tipo de comportamento de negócios não é nada novo: os mercados sempre reagiram a boatos e desinformação, mas geralmente se corrigem assim que a verdade vem à tona.

“Com a internet e tudo estando conectado, a coisa acontece mais rápido e talvez mais forte, mas aí acaba sendo corrigida”, afirma Vulkan. Ao contrário de Kobeissi, ele não está convencido que negócios algoritmos sejam a principal causa da volatilidade em reação a imagens fake: ele a atribui antes às transações algorítmicas de baixa frequência.

Enquanto os negócios de alta frequência são mantidos apenas por segundos, os de baixa frequência perduram muito mais, semanas até. Eles são preferidos pelos fundos de cobertura (hedge funds). Como os algoritmos de alta frequência aproveitam oportunidades de curtíssimo prazo, o volume de capital de que dispõem é muito menor.

Portanto “o big money está quase todo na baixa frequência”, afirma Vulkan. Os algoritmos usados pela maioria dos hedge funds que ele conhece não entrariam em pânico ao ver um movimento breve como o ocorrido após a divulgação da imagem do Pentágono, diz.

Quando a tendência se corrige, no fim do dia, os algoritmos em questão não teriam sido afetados. “Então a gente pode dizer que é fantástico: esses algoritmos reagem melhor a eventos fake de curto prazo do que os seres humanos”, conclui Vulkan.

Assim, seria muito difícil fazer dinheiro com esse tipo de reações de curto prazo. Exceto para quem saiba que está acontecendo ou que seja o seu causador – o que já é ilegal.

Quanto a um eventual aumento de volatilidade, à medida que tais imagens se tornem mais comuns, o professor de Oxford relativiza: “Não sei se é uma questão algorítmica. É mais uma questão de resiliência contra fake news, em geral.”

Excesso de confiança na tecnologia

Por enquanto, o risco maior para os mercados talvez não sejam investidores, humanos ou não, deixarem-se iludir por imagens generadas por IA: há quem considere haver uma excessiva fé na tecnologia em si. Nos últimos meses, um interesse crescente pela inteligência artificial atraiu grande número de investidores para as ações da área tecnológica – e para certos especialistas, eles são numerosos demais.

“A revolução da IA é provavelmente muito real, bastante significativa”, comentou à emissora CNBC Julian Emanuel, da firma de consultoria de investimentos Evercore ISI. “Mas essas coisas ocorrem em ondas. Aí, se cria um pouco de entusisasmo demais, e as cotações caem.”

Numa nota publicada em abril, estrategistas da financeira JPMorgan Chase, liderados por Dubravko Lakos-Bujas, alertaram que o atual nível de concentração no setor implica que “o risco de recessão está longe de ser incluído nas contas”.

Tanto Lakos-Bujas quanto Emanuel preocupam-se com o fato de o crescimento dos índices financeiro estar excessivamente concentrado em firmas tecnológicas como Microsoft, Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Nvidia. No momento, cerca da metade do índice Nasdaq, centrado em tecnologia, é dominado por essas seis multinacionais.

Se os interesses do mercado se afastarem da inteligência artificial – ou da tecnologia em geral, como ocorreu depois que os bancos centrais passaram a elevar as taxas de juros – a euforia generalizada do mercado poderá ter um fim estrondoso.

Fonte: DW Brasil

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