As pesquisas de opinião no Chile já haviam antecipado algo, mas a realidade chegou aos interessados na estatística eleitoral como uma avalanche incontível: o Partido Republicano, de ultradireita, se converteu neste domingo (07) na legenda mais votada nas eleições para o Conselho Constitucional, a segunda tentativa para substituir a Constituição de 1980, aprovada durante a ditadura do general Augusto Pinochet.
Diferentemente da primeira, desta vez serão os defensores da Carta Magna a deter a maioria, e os republicanos liderados por José Antonio Kast já deixaram claro que querem um texto “bastante semelhante” ao que se procura substituir.
Visto à distância, o vaivém eleitoral chileno parece incompreensível. Com uma participação de mais de 80%, com voto obrigatório e com o tema constitucional superado na agenda pública por problemas que parecem inquietar mais os chilenos, esse processo não foi capaz de concentrar o nível de atenção do primeiro.
“Creio que os resultados se explicam por as pessoas estarem buscando exatamente o contrário do que se passou no primeiro processo”, comentou à DW o analista político Kenneth Bunker, diretor executivo do website chileno Tresquintos.
Especialistas estimam que o êxito da ultradireita é uma resposta ao contexto social: aumento da sensação de insegurança, economia em apuros e crise migratória.
“Todas as listas competiram para ver quem oferecia mais segurança, embora isso não tivesse nada que ver com a Constituição”, explica Mario Álvarez, doutor em Comunicação Política da Universidade de Leeds e acadêmico da Universidade de La Frontera.
“Mas se você compete aí [nesse campo temático], os conservadores vão sempre ganhar, porque têm um discurso mais simplista e de mais êxito. Elaboraram uma retórica patriótica a respeito: de um lado estão os chilenos, do outro, os que não defendem o Chile – o que é exatamente o discurso público de Pinochet [ditador chileno de 1974 a 1990]. Então, não só pautaram o tema, como ainda o estruturaram de maneira inteligente”, acrescenta.
Governo em apuros
O resultado eleitoral não só é um duro golpe para o governo do presidente Gabriel Boric, cuja aliança obteve 16 dos 50 assentos do Conselho Constitucional, mas também para a extinta Concertación, a coalizão política de esquerda, centro-esquerda e centro que governou o país de 1990 a 2010, e que agora ficou de fora. Tampouco a direita tradicional pôde cantar vitória, com seus 11 constituintes, pois os republicanos somaram 23 vagas.
“É um terremoto de proporções épicas. As pessoas estão procurando soluções desmedidas porque os problemas são desmedidos, e os partidos tradicionais não vão dar resposta a isso”, avalia Bunker.
Para o especialista, além disso, o governo geriu mal o tempo, por não ter enfrentado os problemas e chegado à eleição com várias crises ativas.
Álvarez ressalva que Boric, apesar de tudo, conta com uma base de apoio estável: “Em que pese todas as dificuldades que teve para levar adiante suas reformas, ele pode observar com certa tranquilidade o fato de que a votação de aprovação não baixou muito. O problema é que a oposição vai inevitavelmente entrar numa corrida por quem é mais de direita, e isso vai ser muito complicado para o governo gerir, pois cada vez vão lhe recusar mais coisas. Basta ver como foram mal os setores de direita que se mostraram abertos ao diálogo.”
Votos nulos eloquentes
Outro elemento que chamou a atenção, à parte o pêndulo que parece guiar os movimentos eleitorais chilenos, é a enorme quantidade de votos nulos e em branco, que, somados, chegam a 21,54% de todos os emitidos.
“Se esses votos dizem algo, é que as pessoas não se interessam em participar [de votações] enquanto não houver melhores condições no dia a dia. A cidadania entende que não se pode pensar no longo prazo se não se tem como lidar com o quotidiano. Os nulos vão ser um campo de disputa, porque são muitos cidadãos e podem virar a mesa numa eleição ou plebiscito muito apertado”, analisa Kenneth Bunker.
Agora cabe ver o que o eleitorado republicano quer, pois não há indicações de que se trate só de um voto conservador, paroquial: “A mim, me parece que se trata de eleitores que estão contra: contra este processo, contra o governo, contra o feminismo”, conclui Bunker.
Ao mesmo tempo – considerando o grande volume de votos nulos, o apoio maciço ao partido que não deseja mudar a Constituição de 1980, e o desânimo geral perante o assunto –, Álvarez não descarta que a nova proposta também seja rechaçada. O que poderia desarmar essa dinâmica é os republicanos “buscarem dar uma imagem de governabilidade e usarem este processo para tal”.
Fonte: DW Brasil
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