A oferta de drogas ilícitas dentro da União Europeia (UE) segue em alta, desafiando a regulamentação de narcóticos e as políticas de saúde do bloco, concluiu o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), com sede em Lisboa.

Em um extenso relatório divulgado nesta sexta-feira (16), o OEDT constatou que as pessoas estão sendo expostas “a uma gama mais ampla de substâncias psicoativas” nos países do bloco.

De 2011 a 2021, segundo o documento, os maiores aumentos de drogas apreendidas na União Europeia foram cocaína (416%), cannabis (260%), metanfetamina (135%), heroína (126%), MDMA (123%), resina de cannabis (77%) e anfetamina (42%).

O relatório observou que, embora haja demanda por essas drogas na UE, “é provável que o aumento nas quantidades apreendidas reflita, pelo menos parcialmente, o maior papel desempenhado pela Europa como local de produção, exportação e trânsito dessas drogas.”

“Quase tudo que tenha propriedades psicoativas pode aparecer no mercado de drogas, muitas vezes com rótulos incorretos ou em misturas. É por isso que as drogas ilícitas podem afetar a todos, seja diretamente, pelo uso, ou indiretamente, por meio de seu impacto nas famílias, comunidades, instituições e empresas”, disse o diretor do OEDT, Alexis Goosdeel, por meio de um comunicado.

‘Uma grande ameaça’

De acordo com o relatório, o aumento do tráfico para a UE também levou a maiores índices de violência relacionada às drogas.

Em 10 de janeiro, uma menina de 11 anos foi morta num tiroteio associado a drogas no porto de Antuérpia. No mesmo dia, as autoridades belgas revelaram que haviam apreendido um recorde de 110 toneladas de cocaína na cidade em 2022, em comparação com 91 toneladas em 2021. Antuérpia é conhecida como a capital europeia da cocaína.

Do outro lado da fronteira, em Roterdã, 52,5 toneladas de cocaína foram interceptadas em 2022, uma queda em relação às 77 toneladas em 2021.

De acordo com o OEDT, a produção de cocaína também está aumentando na UE, com 34 laboratórios desmantelados em 2021, em comparação com 23 em 2020.

Além disso, prossegue o relatório, grupos do crime organizado visam cada vez mais portos menores em outras nações da UE, bem como em países que fazem fronteira com o bloco.

“O crime organizado associado às drogas representa uma grande ameaça para a sociedade, e me preocupa profundamente que as substâncias consumidas na Europa hoje possam ser ainda mais prejudiciais à saúde do que no passado”, disse em comunicado Ylva Johansson, comissária europeia para assuntos internos.

Johansson disse que suas visitas recentes aos portos da UE e à América Latina demonstraram que os traficantes “continuam a se infiltrar nas cadeias de suprimentos, explorando trabalhadores e impactando negativamente as comunidades por meio da violência e da corrupção”.

“É crucial que a UE coopere com países terceiros na luta global contra o tráfico de drogas”, ressaltou Johansson.

Além da cocaína, drogas como heroína e opioides sintéticos também tem sido traficadas para a UE. Na Europa, a maior parte da heroína consumida vem do Afeganistão, onde o Talibã anunciou a proibição do cultivo de papoula, algo que pode afetar o fornecimento internacional de heroína.

O relatório adverte que essa proibição pode aumentar a demanda por opioides sintéticos nos países do bloco.

Mudança nos padrões de tráfico

A guerra da Rússia na Ucrânia também teve impacto nas rotas do narcotráfico para a União Europeia, com a diminuição das entregas através das regiões do Cáucaso e do Mar Negro.

O OEDT também descobriu que a guerra tornou mais difícil para os países europeus e as autoridades ucranianas continuarem a ajudar as pessoas em “tratamento com agonistas opioides” — um tipo de terapia que envolve a liberação lenta de morfina oral — e monitorar o fornecimento e o surgimento de drogas ilícitas na Ucrânia, apresentando maiores riscos à saúde.

O relatório constatou que o envenenamento por cocaína aumentou nos hospitais da UE em 2022, com pessoas injetando a droga isolada ou em combinação com heroína.

Novos produtos de cannabis, como o hexahidrocanabinol, também representam riscos significativos à saúde.

O uso recreativo de cetamina, que é administrado medicamente como analgésico, aumentou, levando a problemas de saúde, como danos à bexiga.

MDMA em pó ou comprimidos e drogas psicodélicas também representam riscos à saúde. O relatório também constatou um aumento no uso de óxido nitroso, ou “gás do riso”. O óxido nitroso tornou os jovens vulneráveis a lesões pulmonares e, em casos extremos, a danos nos nervos, de acordo com o relatório.

Políticas de drogas da UE

Para regular o tráfico de drogas ilícitas e lidar com o problema sanitário, os países da UE começaram a reformular suas políticas.

Luxemburgo, República Tcheca, Malta, Holanda, Alemanha e Suíça estão tentando introduzir novos regulamentos para o fornecimento de cannabis, que é permitido para fins recreativos em alguns países da UE. Esses regulamentos envolvem monitoramento robusto das cadeias de suprimentos e leis de tráfico de drogas mais rígidas.

No início desta semana, parlamentares europeus votaram pela criação de uma agência para atuar como o “sistema de alerta” do bloco, monitorando o aumento do uso de drogas ilícitas e também desenvolvendo avaliações de saúde e segurança.

“Num momento particularmente difícil, em que os problemas sociais e de saúde devem estar no centro das nossas ações, a União Europeia cumpre seu dever. A votação de hoje sobre a Agência Europeia de Luta contra a Droga é um passo na direção certa, no sentido de uma abordagem equilibrada, integrada, multidisciplinar e baseada em evidências diante do fenômeno das drogas, enriquecida por um envolvimento ativo com a sociedade civil”, disse a eurodeputada portuguesa Isabel Santos, membro do bloco dos Socialistas e Democratas no parlamento.

O OEDT recomendou ainda maiores investimentos em “fontes de informação forense e toxicológica, que têm se tornado elementos essenciais para a compreensão dos desdobramentos tanto no mercado de drogas quanto nas implicações para a saúde da mudança nos padrões de consumo de drogas”.

Fonte: DW Brasil

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