Radical de esquerda é condenada à prisão na Alemanha

Uma estudante alemã de 28 anos foi condenada nesta quarta-feira (31) por um tribunal de Dresden pela acusação de fundar uma organização criminosa e cometer ataques violentos contra membros da cena neonazista.

Identificada como Lina E. (de acordo com as leis de privacidade alemãs), ela foi condenada a cinco anos e três meses de prisão. Outros três co-réus do sexo masculino foram condenados a cerca de três anos de prisão cada.

O veredicto foi acompanhado no tribunal por cerca de 100 apoiadores dos réus, que saudaram Lina E., com uma longa salva de aplausos. Os réus também exibiram pastas que tinham mensagens como “Free All Antifas” (Libertem todos os Antifascistas) estampadas.

Em frente ao tribunal, houve protestos a favor dos réus, principalmente de pessoas vindas de Leipzig. Assim que a sentença foi lida, parte do público começou a entoar mensagens de apoio. Um dos presentes chegou a gritar “Vocês são amigos dos fascistas!” para os membros do tribunal. O juiz teve que interromper a leitura da sentença até que alguns manifestantes fossem retirados do local.

Na leitura, o juiz ainda disse que, mesmo que as motivações políticas dos réus de lutar contra o extremismo de direita possam ser consideradas justificadas, isso não reduz a gravidade dos crimes. Ele também criticou os advogados de defesa por descreverem o julgamento como “justiça política”.

O juiz também defendeu o sistema de justiça alemão, mencionando o número de condenações contra extremistas de direita que o tribunal proferiu nos últimos anos. No entanto, parte dos presentes reagiu com escárnio e risadas sarcásticas.

Repercussão

A sentença repercutiu no meio político alemão.

“Não se combate o extremismo com extremismo. Devemos proteger nossa democracia liberal de seus inimigos, mas não com justiceiros”, escreveu o ministro da Justiça da Alemanha, Marco Buschmann, no Twitter, após a divulgação da sentença. “A lei e a ordem se aplicam a todos. Onde os limites do sistema legal são ultrapassados, o Ministério Público e a polícia são necessários”, continuou o político, que é membro do Partido Liberal-Democrático.

A ministra do Interior, Nancy Faeser, por sua vez, divulgou um comunicado na mesma linha. “Em um estado constitucional democrático, não deve haver espaço para justiceiros”, disse a política social-democrata.

Julgamento

Os promotores estaduais acusaram Lina E.* e os três co-réus – Lennart A., Philipp M. e Jannis R. – de realizarem uma série de ataques a neonazistas nos estados da Turíngia e Saxônia entre 2018 e 2020, que deixaram 13 feridos – dois em estado grave. Um dos agredidos foi Leon R., que já foi preso por suspeita de formar uma organização de extrema direita.

Segundo a acusação, Lina E. e seus associados invadiram um conhecido bar neonazista na cidade de Eisenach no final de 2019 e atacaram fisicamente Leon R. com o uso de martelos e cassetetes. Quando o ataque inicial falhou, o grupo voltou a atacar Leon R. novamente algumas semanas depois.

Evidências contraditórias

Grande parte do caso da promotoria baseou-se no depoimento de um ex-membro do grupo de Lina E.. Identificado como Johannes D., de 30 anos, ele disse ao Tribunal Regional Superior de Dresden que os quatro réus haviam treinado especificamente para executar os ataques. No entanto, no seu próprio julgamento em fevereiro, ele havia minimizado o “treinamento” como mera prática de exercícios físicos. Johannes D. recebeu apenas uma pena suspensa de 18 meses em seu julgamento, o que levantou especulações de que ele teria testemunhado contra Lina E. para aliviar sua própria punição.

O suposto nível de planejamento dos ataques foi a espinha dorsal da ação apresentada pelos promotores, já que a acusação de que Lina E. liderava uma organização criminosa se baseou em grande parte no argumento de que os ataques foram precedidos de treinamento especifico.

Tensão política

O caso criou tensão política no leste da Alemanha. Apoiadores de Lina E. na cidade de Leipzig afirmam que ela foi transformada em bode expiatório e pintada falsamente como terrorista de esquerda tanto pela mídia quanto pelas autoridades. Alguns também acusaram o sistema de Justiça de ser muito indulgente com criminosos neonazistas.

Placas de “Libertem Lina” e caixas com pedidos para financiar sua defesa foram espalhadas no distrito de Connewitz, um reduto de esquerda de Leipzig, onde Lina E. mora. Ativistas de esquerda já convocaram a realização de protestos no próximo sábado em Dresden e Leipzig. Autoridades policiais já informaram que devem reforçar a segurança nas duas cidades.

Hendrik Hansen, especialista em extremismo e professor da Universidade Federal de Ciências Administrativas Aplicadas, argumenta que a mídia subestimou os perigos do extremismo de esquerda.

“Este julgamento é um claro sucesso”, disse Hansen à DW. “Na área ao redor de Leipzig, estamos enfrentando o surgimento de estruturas clandestinas que estão muito bem conectadas na cena extremista de esquerda”. Hansen avalia que o grupo de Lina E. poderia claramente ser classificado como uma organização criminosa e até descrito como terrorista. “Era um grupo inteiro de pessoas planejando ataques minuciosos e que usavam até telefones celulares descartáveis. Eles tinham olheiros, que espionavam as vítimas. As tarefas dentro do grupo eram divididas com muita precisão.”

Hansen também afirma que as evidências mostraram que o grupo não estava apenas planejando brigas de rua, mas também ataques direcionados com o objetivo de ferir gravemente ou mesmo matar suas vítimas. “O terrorismo é definido como o uso de violência politicamente motivada para espalhar medo e horror na população em geral ou em um determinado grupo de pessoas”, avalia.

Parte da imprensa alemã também traçou paralelos entre o grupo de Lina E. e as primeiras ações do antigo guerrilheiro urbano Fração do Exército Vermelho (RAF, sigla para Rote Armee Fraktion), também conhecido como a Gangue Baader-Meinhof, que foi responsável por sangrentos atentados terroristas na Alemanha entre os anos 1970 e 1980.

Quem é Lina E.?

Lina E. nasceu em Kassel, na região central da Alemanha, ela já demonstrou a intenção de atuar como assistente social trabalhando com jovens desfavorecidos e, durante seus estudos, abordou temas como políticas para lidar com a radicalização de extrema direita entre os jovens.

Kassel está localizada no estado de Hesse, que tem uma grande cena de extrema direita. Nos anos 2000, a cidade foi palco de um dos 10 assassinatos cometidos pelo grupo terrorista neonazista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). Lina E. teria se tornado mais política após a revelação da existência da NSU em 2011. A maior parte das vítimas da NSU eram imigrantes. Durante treze anos, investigadores e meios de comunicação trataram os assassinatos como crimes comuns, em alguns casos até mesmo levantando suspeitas sobre as famílias das vítimas. Vários funcionários de alto escalão dos órgãos de segurança acabaram demitidos como resultado do caso.

Lina E. passou os últimos dois anos e meio desde a sua última detenção em uma prisão em Chemnitz, onde justamente a única remanescente conhecida da NSU, Beate Zschäpe, cumpre pena.

Os promotores estaduais dizem que Lina E. ainda é extremamente perigosa. A promotora Alexandra Geilhorn disse que a ré não demonstrou remorso. A promotora também descreveu o que chamou de “violência severa” dos ataques, realizados com uma “extraordinária extensão de energia criminosa”.

Ela também alertou que Lina E. poderia facilmente desaparecer na clandestinidade, como já fez seu parceiro Johann G., outro suposto extremista de esquerda. A defesa rejeitou todas essas alegações, apontando que Lina E. disse que sua única ambição é concluir o curso universitário e se tornar assistente social.

Fonte: DW Brasil

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