O chefe da organização paramilitar privada russa Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin , tornou-se uma das figuras mais proeminentes na guerra da Rússia contra a Ucrânia. Devido às suas duras críticas ao comando militar russo, Prigozhin passou a ser visto como uma ameaça potencial ao presidente Vladimir Putin. Mas ele é tão influente quanto parece ser?

No último sábado (24/06), Prigozhin ordenou que suas forças marchassem em direção a Moscou e convocou uma rebelião armada para derrubar a liderança militar da Rússia. Os combatentes mercenários do Grupo Wagner ocuparam instalações militares importantes na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, que serve de centro logístico para o Exército russo e sua invasão da Ucrânia.

Em resposta, os militares russos reforçaram as defesas da capital russa, com Putin prometendo duras consequências para a “traição” de Prigozhin. Mas, horas depois, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, anunciou que Prigozhin havia concordado com um acordo para ir para a vizinha Belarus, que apoiou a invasão da Ucrânia pela Rússia. As acusações contra o chefe miliciano de promover uma rebelião armada seriam retiradas, de acordo com o Kremlin, e as forças do Grupo Wagner deixaram Rostov-on-Don.

O Grupo Wagner é notório por sua crueldade e táticas brutais no campo de batalha. Ele também demonstrou sua violência fora da frente de combate em vídeos de supostas execuções de mercenários desertores.

Um vídeo publicado no aplicativo de mensagens Telegram mostra um ex-presidiário e combatente do Grupo Wagner, que se identificou como Dmitri Yakushchenko, aparentemente sendo espancado até a morte com uma marreta.

Mas, dois dias depois, Prigozhin apareceu diante de blogueiros militares e da mídia estatal russa com o suposto “combatente executado”, referindo-se a ele como “um bom sujeito, que trouxe uma grande quantidade de informações importantes do cativeiro ucraniano”.

No ano passado, o Grupo Wagner adotou a marreta como seu símbolo, depois de supostamente usá-la para executar um desertor de suas fileiras.

“A ostentação da crueldade é parte do que Prigozhin oferece. Seja o que for – uma peça encenada, ‘trollagem’ ou performance imersiva –, isso tudo não deixa de fazer parte de uma campanha publicitária que promove o culto à violência”, escreveu Andrei Kolesnikov, do observatório de política externa Carnegie Endowment for International Peace, no jornal independente Novaya Gazeta.

Início no setor gastronômico

Prigozhin nasceu em 1961 na antiga Leningrado, hoje São Petersburgo. Quando estava na casa dos 20 anos, ele passou nove anos preso numa prisão soviética por roubo e fraude. A libertação da cadeia e a queda da União Soviética permitiram que Prigozhin seguisse o caminho de empreendedor.

Ele começou com carrinhos de cachorro-quente em sua cidade natal e, depois, passou para projetos maiores, como um luxuoso restaurante em São Petersburgo – que se tornou um centro para as elites russas, incluindo o então vice-prefeito Vladimir Putin.

Ao se beneficiar dos laços estreitos com as elites políticas, Prigozhin expandiu os negócios ainda mais depois que Putin se tornou presidente. Seu serviço de bufê, chamado Concord, fundado na década de 1990, recebeu contratos exclusivos e lucrativos do governo para jantares estatais, incluindo a cerimônia de posse de Putin e uma visita do presidente dos EUA, George W. Bush, a São Petersburgo. Os contratos renderam a Prigozhin o apelido de “cozinheiro de Putin”.

No entanto, Prigozhin não limitou suas ambições ao setor gastronômico.

Interferência eleitoral e “serviços obscuros” militares

Prigozhin admitiu em meados de fevereiro que estava por trás da Agência de Pesquisa na Internet, uma rede de fábrica de trolls. De acordo com o FBI, a agência lançou uma ampla campanha de desinformação para influenciar os resultados das eleições presidenciais americanas de 2016. Prigozhin e seus advogados negam veementemente as acusações e chegaram a processar jornalistas que escreveram sobre sua conexão com fábricas de trolls russas.

Em 2014, Prigozhin criou a empresa paramilitar privada Grupo Wagner. Assim como com as fábricas de trolls, ele negou por muito tempo qualquer envolvimento com os mercenários até setembro de 2022, quando admitiu ter formado a unidade.

De acordo com a analista independente russa Alexandra Prokopenko, o grupo mercenário de Prigozhin estava prestando “serviços obscuros” a Putin. “Ele está facilitando a vida de seu chefe e de seu círculo íntimo nas regiões onde eles não queriam se envolver pública e oficialmente”, ressalta.

Prokopenko cita como exemplo a atuação do Grupo Wagner nas regiões de Donetsk e Lugansk na Ucrânia, bem como na África e na Síria, “onde os mercenários não apenas participaram de ações de combate, mas também fizeram a segurança de algumas instalações petrolíferas”.

Grupo Wagner contra o Exército russo

Os mercenários do Grupo Wagner se envolveram pela primeira vez na Ucrânia em 2014, quando ajudaram separatistas apoiados pela Rússia a anexar ilegalmente a Península da Crimeia. Após a invasão russa em fevereiro de 2022, a capacidade dos combatentes do Grupo Wagner de fazer progressos em batalhas sangrentas no leste da Ucrânia se tornou um trunfo militar importante para o Kremlin.

Em janeiro de 2023, o Grupo Wagner alegou ter tomado o controle da cidade ucraniana de Soledar, vista como uma das raras vitórias de Moscou desde o início da guerra. A eficiência do grupo e sua crescente importância no campo de batalha permitiram a Prigozhin lançar uma campanha embaraçosa contra os principais oficiais militares da Rússia.

Protestando publicamente contra falta de munição para seus soldados, ele acusou os líderes militares de incompetência. Em uma mensagem de áudio de sete minutos em 20 de fevereiro de 2023, Prigozhin acusou os principais comandantes militares da Rússia de “traição” por privar seus combatentes de munição. “Não consigo resolver este problema, apesar de todas as minhas conexões e contatos”, reclamou, acrescentando que foi obrigado a “pedir desculpas e obedecer” para garantir munição para seus combatentes.

O Ministério da Defesa da Rússia negou as acusações de Prigozhin, dizendo que tais declarações eram “absolutamente falsas”. Um dia depois, em resposta, Prigozhin divulgou outra mensagem de áudio, alegando que as ações dos militares equivalia “a nada mais do que simplesmente cuspir no Grupo Wagner”.

Ele também atacou pessoalmente o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o general Valery Gerasimov, responsável pela modernização do Exército. Em uma de suas últimas críticas, ele culpou a burocracia militar russa pelas tentativas malsucedidas de tomar Bakhmut, cuja batalha esteve por meses no centro do conflito, com grandes baixas russas e ucranianas.

“Bakhmut teria sido tomada antes do Ano Novo se não fossem nossa monstruosa burocracia militar e os entraves que ela cria diariamente”, afirmou Prigozhin à mídia estatal russa.

De acordo com Kolesnikov, apenas Putin tem o poder de criticar oficiais militares no sistema autocrático da Rússia. “Putin precisa de Prigozhin para a manter os generais em alerta. Putin equilibra os ‘pesos’ das várias figuras colocando-as umas contra as outras e mantém o olho nelas para que nenhuma dessas figuras se fortaleça excessivamente”, acrescenta.

Apesar de Prigozhin repreender os militares, o presidente russo promoveu Gerasimov no início de janeiro, tornando-o comandante-geral da guerra na Ucrânia. A medida, argumentaram os analistas, mostrou a importância limitada da retórica de Prigozhin sobre as decisões de Putin.

Dor de cabeça para todos no Kremlin

Prigozhin, que antes fugia dos holofotes da mídia, tornou-se o rosto da guerra e sua crescente publicidade deu origem a especulações sobre possíveis ambições políticas. De acordo com o site independente russo Meduza, Prigozhin estaria planejando lançar um movimento patriótico e conservador que eventualmente evoluiria para um partido político – uma ideia que ele negou publicamente.

Como a analista Tatiana Stanovaya escreveu em um artigo para o Carnegie Endowment for International Peace, as ambições políticas de Prigozhin podem prejudicar suas relações com o Kremlin. “Os supervisores da política interna não gostam de sua demagogia política, seus ataques a instituições ou suas tentativas de ‘trollar’ a equipe de Putin, ameaçando formar um partido político, o que seria uma dor de cabeça para todos no Kremlin.”

O desejo de Moscou de apertar as rédeas de Prigozhin pode ser visto no movimento para impedir o recrutamento de condenados que, segundo o Conselho de Segurança Nacional dos EUA, representam 80% das tropas do Grupo Wagner. Em recente entrevista, ele reconheceu que, após a redução, o grupo teria um papel mais limitado no esforço de guerra da Rússia.

Para Kolesnikov, o único caminho possível para Prigozhin é se tornar um político, dadas as responsabilidades que lhe foram atribuídas na guerra, no entanto, este não é o desejo do presidente russo. “Enquanto Putin for capaz de controlar sutilmente as forças políticas, ele pode retirar Prigozhin do jogo na hora certa e colocá-lo de volta em seu lugar habitual – na política clandestina.”

Fonte: DW Brasil

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