É duro assistir os vídeos sobre o terremoto no Marrocos nas redes sociais. “Não tem ninguém aqui para nos ajudar”, exclama, revoltado, um idoso de uma aldeia próxima ao passo de montanha Tizi N’Test, na cordilheira do Alto Atlas. À sua volta, poeira vermelha e escombros onde antes estavam casas, todas destruídas pelo abalo sísmico da noite de 8 de setembro de 2023.

Ele, seu filho e cinco outros estão tentando resgatar os vizinhos de sob os prédios desmoronados. “Muitas vítimas ficaram simplesmente nas ruínas até morrer”, conta ao cameraman que mais tarde publicará a entrevista no YouTube.

“Não tem ninguém aqui”, brada uma mulher em outro vídeo postado no Instagram. “Nada de barracas, nem outra acomodação. Estamos vivendo só de donativos. Onde estão as autoridades?!

Esses gritos de socorro fizeram muitos marroquinos questionarem seu próprio governo. Eles querem saber por que – em seguida ao terremoto de magnitude 6.0 que já causou cerca de 3 mil mortes – até agora Rabat só aceitou assistência de quatro países – Catar, Espanha, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido –, tendo rejeitado as ofertas de 60 outros.

O fato estampou as manchetes internacionais. A França e a Alemanha se sentiram obrigadas a negar publicamente que a rejeição por Rabat tivesse motivação política. Segundo o jornal Le Monde, autoridades marroquinas mostraram-se irritadas com a controvérsia, acusando os franceses de tratá-los como gente atrasada. Com um histórico de mais de quatro décadas de colonização, as relações diplomáticas franco-marroquinas são atualmente tensas.

Organização privada ou estatal, eis a questão

Especialistas em reação a desastres observam que, embora iniciativas de resgate internacional sempre sejam políticas, de algum modo, elas são também complexas, envolvendo dezenas de agentes diferentes, além de altamente dependentes de outras circunstâncias.

Idealmente, deveriam orientar-se por um conjunto de diretrizes estabelecidas pela Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho entre 2001 e 2007, a fim de evitar alguns dos problemas que entravaram operações passadas. Um dos pontos é que todo enfrentamento de catástrofes deve começar com os esforços locais, e reforços internacionais só devem entrar no país se convidados.

No entanto há uma diferença entre organizações particulares, não governamentais (ONGs) e beneficentes, e organizações estatais, como a equipe da Bundesanstalt Technisches Hilfswerk (THW), a agência de defesa civil da Alemanha.

Dependendo da situação, grupos privados podem começar seus trabalhos sem um convite. Por exemplo: como europeus podem obter visto ao chegar em Marrocos, e o aeroporto estava seguro e aberto, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) enviou alguns de seus voluntários logo no dia seguite ao tremor.

Com seu foco médico, eles avaliam como os serviços de saúde estão gerindo a situação, e julgam se é necessário intervenção. “Se identificamos uma lacuna, nós nos dirigimos aos canais oficiais”, explica Christian Katzer, diretor da MSF Alemanha, “nos conectando com um órgão governamental para obter permissão de entrar e atuar oficialmente.”

O caso é diferente para organizações com patrocínio estatal, como o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah). Subordinados a normas internacionais de soberania, eles não podem entrar sem um convite. Por outro lado, é comum manterem funcionários nos diferentes países – como é o caso do Enucah.

Essa agência desempenha um papel importante na resposta de emergência internacional. Em caso de catástrofe, após ser notificados por celular, seus agentes se conectam a uma plataforma online a fim de coordenar suas ações. Paralelamente, representantes da ONU no país já contatam o governo para oferecer auxílio.

Ao mesmo tempo, está entrando em ação o Grupo Internacional de Assessoria a Operações de Busca e Resgate (Insarag, na sigla em inglês). Reunindo 90 Estados-membros, ele coordena 57 equipes especializadas em buscas urbanas e resgate. Desde 2014 mantém uma equipe em Marrocos. Para ter permissão de participar, os voluntários locais tiveram que se submeter a um exame com 70 horas de duração.

Um olho na viabilidade – o outro na política

Diversos fatores determinam se um oferecimento de assistência internacional é aceito ou não. Por um lado, depende da catástrofe em si: quão abrangentes são os danos? Hospitais foram afetados, há profissionais de saúde e de resgate entre os mortos? Existe a opção de serviços de emergência locais assumirem o controle?

No terremoto que abalou a Turquia e a Síria em fevereiro de 2023, matando cerca de 50 mil, Ancara ativou o sistema multilateral do Insarag num prazo de horas. No fim, acabaram se dirigindo ao país 49 das 57 equipes, num total de 3.500 agentes, além dos cães de resgate.

No atual sismo em Marrocos, o governo enviou seus próprios militares para ajudar as vítimas, explicando que não desejava em excesso de equipes internacionais de resgate, para evitar uma falta de coordenação “contraproducente”. De fato: em 2004, após um abalo menor, voos de assistência bloquearam os aeroportos locais, e equipes de resgate danificaram estradas.

Não há dúvida que os convites oficiais também são políticos. Pode haver acordos bilaterais de ajuda emergencial, ou também regionais: a Europa tem o Mecanismo de Proteção Civil da UE, por exemplo, enquanto a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) dispõe de um pacto semelhante.

No terremoto de 2011, que resultou no desastre nuclear de Fukushima, o Japão só aceitou apoio de 24 países e regiões, apesar de ter recebido 163 ofertas. Segundo críticos, houve ainda fatores de política interna. Além disso, Tóquio é notório por suas procrastinações burocráticas quando de trata de permitir o ingresso de equipes estrangeiras: dois dias após o sismo, voluntários suíços, que estiveram entre os primeiros a se apresentar, ainda esperavam permissão para importar seus cães de busca e resgate.

“Cada momento perdido é um momento demais”

Assim, apesar das manchetes sobre a rejeição de assistência internacional por Marrocos, diversos peritos na área estão relutantes em criticar o governo, preferindo só se pronunciar sobre a questão sob condição de anonimato.

“Existem exemplos extremos, em que o governo prefere deixar o próprio povo na miséria a colaborar com organizações de ajuda”, relata um especialista em reação a catástrofes. “Em certos casos há também reticência em pedir auxílio, sob a crença de que aceitar faria o Estado parecer fraco.”

Contudo isso é mais comum no caso de regimes extremamente autoritários, ressalvam os analistas consultados. Na verdade, eles contam com que mais organizações assistenciais obterão permissão para entrar em Marrocos no futuro próximo, após concluída a reação inicial de emergência.

Fato é que em situações como essa, ninguém sai com uma boa imagem; “Uma resposta de resgate nunca será suficientemente veloz para os que foram devastados pelo desastre e lutam para manter vivos os seus entes queridos”, reconhece Kirsten Bookmiller, professora de assuntos de governança e política da Universidade Millersville, na Pensilvânia. Para eles, “todo momento perdido é um momento demais”.

Fonte: DW Brasil

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