Se no Brasil os profissionais de enfermagem às vezes chegam a esperar anos para conseguir um emprego, na Alemanha existem apenas 33 trabalhadores qualificados desempregados para cada 100 vagas no setor. Mas essa não é a única razão que leva enfermeiros brasileiros a buscarem uma nova vida no exterior: as condições de trabalho também desempenham um papel importante.
Thaiana Santos, do Rio de Janeiro, por exemplo, não demorou para perceber que não queria mais trabalhar no Brasil. “Por razões financeiras, eu trabalhava em dois ou três hospitais ao mesmo tempo”, diz a jovem de 29 anos. Apesar disso, o salário, segundo ela, não dava nem para viajar nas férias. “Estava sobrecarregada, cansada e só trabalhava para pagar minhas contas”, recorda. Após conversar com amigos que trabalham na Alemanha, ela decidiu emigrar.
Jaqueline Piccoli Korb também passou por uma situação semelhante. Ela trabalhou em Ijuí por quatro anos antes de decidir vir para a Alemanha. “Eu ainda era nova, não estava mais muito satisfeita com o meu trabalho e queria acumular experiência de vida”, conta a enfermeira. Na Alemanha, ela tinha a esperança de que poderia economizar mais e ter uma qualidade de vida melhor.
Já Luiza Moraes não chegou a trabalhar no Brasil. Após os estudos, ela se preparou para ir direto para a Alemanha. “Eu sempre quis ir para o exterior”, diz. Por intermédio de uma empresa de serviços terceirizados, ela conseguiu uma vaga no Hospital Universitário de Schleswig-Holstein, em Kiel, onde trabalha desde outubro de 2020.
Uma ponte entre enfermeiros e clínicas
Com o intuito de recrutar profissionais do exterior, alguns hospitais alemães recorrem a empresas, que cuidam de todo o processo de contratação, desde o recrutamento até a entrada na Alemanha. Isso inclui aulas de alemão ainda no Brasil e o pedido de visto. Como os prestadores de serviços são pagos pelos próprios hospitais, os cursos de idiomas, por exemplo, saem de graça para os profissionais. Santos está entre os que vieram para a Alemanha dessa forma. No seu caso, esse processo levou dois anos.
Mas os caminhos para a Alemanha são diversos. No Brasil, Korb conheceu Michael Stalp, diretor dos dois hospitais da Helios Klinik em Mittelweser, na Baixa Saxônia. Casualmente no país na ocasião, Stalp acabou fechando uma parceria com um hospital em Ijuí. O diretor conta que a oportunidade de atrair especialistas do sul do Brasil surgiu justamente através do contato e da cooperação pessoal.
Na avaliação do médico, o projeto tem sido um sucesso. Segundo Stalp, em duas visitas por ano a Ijuí, foram recrutados cerca de 20 a 25 profissionais, que trabalham diferentes unidades do hospital Helios em Nienburg, Cuxhaven e Leipzig. Em Nienburg, onde Korb está empregada, há mais uma brasileira e outros dez profissionais do país devem chegar nos próximos meses. Esses serão os primeiros vindos pelo projeto de longo prazo nesta unidade. Atualmente, eles estão no Brasil terminando um curso de alemão.
Emprego em tempo integral
Ao chegar à Alemanha, os profissionais precisam fazer um curso de revalidação, que também inclui aulas de alemão. Na Helios Klinik, esse curso possui também aulas de integração. Ao final do processo, há ainda uma prova oral e uma prova escrita, cuja conclusão bem-sucedida concede enfim o almejado registro de enfermagem.
Korb está contente por ter vindo para a Alemanha há cerca de dois anos. “No começo foi difícil. Eu não conseguia entender tudo. Mas agora melhorou muito e consigo conversar bem com os pacientes”, conta a jovem de 30 anos, que também diz se sentir muito acolhida.
Santos também se adaptou bem na Alemanha e hoje possuiu um apartamento próprio em Berlim. Antes, ela vivia em um apartamento cedido pelo Hospital Evangélico Rainha Elisabeth Herzberge, onde trabalha. O seu alemão também melhorou muito: “Só tenho ainda um pouco de medo de falar ao telefone”, diz, admitindo que ainda precisa se acostumar com algumas coisas.
Diferenças entre trabalhar na Alemanha e no Brasil
O trabalho e a formação de profissionais de enfermagem na Alemanha e no Brasil diferem entre si. Todas as três enfermeiras se formaram em enfermagem. A formação de Korb, por exemplo, durou cinco anos.
As atribuições também são diferentes: “No Brasil, por exemplo, os familiares cuidam muito, dão banho nos parentes”, diz Moraes.
Santos também teve que primeiro se adaptar. No Brasil, sua função não envolvia preparar ou administrar medicamentos, tarefas que, junto com o banho, eram realizadas por outros funcionários. Ela descreve seu trabalho no Brasil mais como uma espécie de gerente de setor. “Temos mais autoridade e mais liberdade lá”, diz. No começo, isso foi motivo de uma certa frustração, recorda, acrescentando que ainda tem medo de fazer algo errado. “O que é certo no Brasil pode ser errado aqui”.
Apesar disso, ela não pretende voltar para o Brasil. “A qualidade de vida [aqui] é melhor, tenho férias, posso viajar e aproveitar meu tempo livre”. Na Alemanha, ela também não tem medo de andar sozinha nas ruas, como era tinha no Brasil.
Moraes também não tem planos de voltar ao Brasil. A jovem de 27 anos está atualmente fazendo um curso para atuar no apoio de equipes internacionais de enfermagem. “Na Alemanha, eu queria ter uma perspectiva e segurança, então é uma situação perfeita.” Ela admite sentir falta da família, mas como fez amigos no país europeu, seu dia a dia se tornou mais fácil.
Korb também não se arrepende de ter vindo para a Alemanha. “Eu faria tudo de novo”, diz a jovem de 30 anos.
Enfermeiras querem mais compreensão
As três enfermeiras veem com bons olhos o plano do governo alemão de trazer mais profissionais de enfermagem do Brasil.
Para Santos, porém, é importante que os profissionais estrangeiros recebam algum tipo de apoio na busca por moradia. Ela também gostaria que houvesse uma compreensão maior sobre a capacidade das enfermeiras brasileiras e um conhecimento prévio dos colegas alemães sobre os procedimentos no Brasil. “Tive sorte, mas conheço muita gente que não foi bem recebida pelos colegas”, conta, acrescentando ter ouvido casos de brasileiros que tiveram ataques de pânico.
Moraes tem opinião semelhante. Afinal, mesmo que a situação, no início, seja equiparável a de estagiários, “nós não somos estagiários”. Ela ressalta que mal-entendidos ocorrem muitas vezes não pela falta de capacidade, mas devido às barreiras linguísticas iniciais.
Fonte: DW Brasil
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