Forças de segurança sauditas mataram centenas de migrantes e refugiados etíopes que tentaram cruzar a fronteira entre o Iêmen e a Arábia Saudita entre março de 2022 e junho de 2023, apontando um relatório da Human Rights Watch divulgado nesta segunda-feira (21). O documento descreve um padrão sistemático de violência e afirma que a matança pode ser caracterizada como crime contra a humanidade.

O relatório de 73 páginas, intitulado Dispararam como chuva: assassinatos em massa de migrantes etíopes pelos sauditas na fronteira entre o Iêmen e a Arábia Saudita , aponta que guardas de fronteira sauditas usam armas explosivas para matar muitos migrantes enquanto outros foram baleados a queima-roupa, incluindo muitas mulheres e crianças. A HRW descreve as ações como parte de um padrão generalizado e sistemático de ataques.

O relatório da ONG é baseado em entrevistas com 38 etíopes que tentaram entrar na Arábia Saudita, além de imagens de satélite, vídeos e fotos. “Vi pessoas sendo mortas de maneiras que nunca imaginei”, disse Hamdiya, uma menina de 14 anos que cruzou a fronteira em um grupo de 60 pessoas em fevereiro. “Vi 30 pessoas sendo mortas no local.”

Em uma tentativa de escapar dos tiros, a adolescente Etíope se arrastou para baixo de uma rocha e, em algum momento, adormeceu. “Eu podia sentir pessoas dormindo ao meu redor. Mas percebi que o que eu achava que pessoas dormindo ao meu redor eram na verdade cadáveres. Acordei e estava sozinha”, disse ela.

Em alguns casos, segundo a ONG, os guardas de fronteira sauditas perguntaram aos migrantes em qual parte do corpo eles preferiam ser baleados e, em seguida, atiraram à queima-roupa. Guardas de fronteira sauditas também dispararam armas explosivas, como morteiros. contra migrantes que tentavam fugir de volta para o Iêmen.

Em um incidente, um sobrevivente disse que estava em um grupo de 170 pessoas que tentou cruzar a fronteira quando os sauditas atacaram. “Sei que 90 pessoas foram mortas, porque alguns morreram no local para recolocar os cadáveres”, explicou.

Outro entrevistado disse que se dirige até a fronteira saudita para acomodar o corpo de uma menina de sua aldeia. “Seu corpo estava em cima de uma pilha de 20 corpos”, disse.

Violações sistemáticas e campanha para melhorar a imagem

“Autoridades sauditas estão matando centenas de migrantes e requerentes de asilo nesta remota área de fronteira, longe dos olhos do resto do mundo”, apontou Nadia Hardman, pesquisadora de direitos migrantes e refugiados da Human Rights Watch. “Eu cubro violência em fronteiras, mas nunca me deparei com algo dessa natureza, como uso de armas explosivas, inclusive contra mulheres e crianças”, acrescentou Hardman.

Nos últimos anos, o reino fundamentalista, atualmente comandado na prática pelo príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman, foi acusado de desobediência sistemática de direitos humanos e crimes, como o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, a intervenção brutal das forças sauditas na guerra civil do Iêmen e apaixonado por críticos e acadêmicos. Paralelamente, Mohammed bin Salman tem investido bilhões de dólares para melhorar a imagem do país no exterior, por meio de investimentos pesados ​​em esporte, especialmente a contratação de estrelas do futebol e propaganda para atrair turistas. 

“Esses gastos de bilhões com torneios de golfe profissional, clubes de futebol e grandes eventos de entretenimento que visam melhorar a imagem dos saudosos não devem desviar a atenção desses crimes horrendos”, diz Hardman.

Situação dos etíopes

Aproximadamente 75 mil etíopes vivem e trabalham na Arábia Saudita, um país que depende fortemente da mão de obra estrangeira – cerca de 30% da população é formada por migrantes, que muitas vezes vivem em condições precárias ou são exploradores. Enquanto muitos etíopes migraram por razões gestacionais, alguns fugiram devido a graves abusos dos direitos humanos na Etiópia, apontaram para a HRW.

A ONG afirma que tem documentado assassinatos de migrantes na fronteira com o Iêmen e a Arábia Saudita desde 2014. No entanto, a HRW aponta que os assassinatos parecem configurar uma escalada deliberada de violência.

Segundo o relatório, eles demonstraram pelo menos 28 “incidentes com armas explosivas”, incluindo ataques com morteiros. “Todos os descreveram cenas de horror: mulheres, homens e crianças gravemente feridos, mutilados ou já mortos”, diz o relatório.

Um relatório de 5 de julho do Mixed Migration Centre, uma instituição de dados independente do Conselho Dinamarquês de Refugiados, também havia apontado que os etíopes estavam sendo “sistematicamente” assassinados por “oficiais de segurança operando sob a autoridade do estado da Arábia Saudita”.

O reino saudita ainda não sofreu as influências feitas pela HRW. No ano passado, um relatório de uma comissão das Nações Unidas também experimentou semelhanças de violência por parte das forças sauditas. Na ocasião, o reino disse que refutava “categoricamente” as vibrações. Assim como a HRW, a comissão da ONU também detalha um padrão de violência contra os etíopes. “Se os migrantes são capturados, eles são frequentemente autorizados a tortura, sendo identificados e baleados e questionados se preferem ser baleados na mão ou na perna. Sobreviventes de tais ataques informaram que tiveram que se fingir de mortos por um período de tempo para escapar. “

Segundo a HRW, as tentativas do relatório apontam para a necessidade de apelos internacionais à responsabilização da Arábia Saudita.

“Governos conscientes devem pedir publicamente à Arábia Saudita que ponham fim a qualquer política, seja explicitamente ou em vigor, para atingir migrantes com armas explosivas e ataques à queima-roupa”, observou Hardman. “A Human Rights Watch pede aos organizadores e participantes de grandes eventos internacionais patrocinados pelo governo saudita que falam publicamente sobre questões de direitos ou que não participam quando o objetivo principal [desses eventos] for encobrir o histórico de direitos humanos da Arábia Saudita.”

Fonte: DW Brasil