O ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, voltou a aparecer na televisão. Em 24 de junho, durante a insurreição armada do exército privado Grupo Wagner, direcionada contra ele, e no dia seguinte, ele se manteve longe da esfera pública. Só na segunda-feira a mídia nacional mostrou imagens suas: de manhã supostamente na zona de combate na Ucrânia, e pela noite num encontro das autoridades de segurança com o presidente Vladimir Putin. Até hoje Shoigu não se pronunciou sobre o motim.
“Ele está seguindo o próprio instinto”, analisa Brian Taylor, especialista em Rússia da Syracuse University de Nova York. “Quando era ministro da Defesa Civil, ele gostava de aparecer nos locais dos desastres. Ele frisava que lá era quem mandava, e ganhava um bônus de confiança. Agora, que se trata de uma catástrofe pela qual ele próprio é responsável, não quer ser visto em público. Mas nos bastidores está trabalhando junto a Putin e outros para garantir sua posição.”
O conflito entre o fundador e líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, e a chefia do Ministério da Defesa se agravou nos últimos meses. Primeiro Prigozhin responsabilizou Shoigu e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valery Gerasimov, pela falta de munição nos combates em Bakhmut. O departamento de imprensa do ministério rebateu e Shoigu não embarcou no conflito.
Bons motivos para despedir Shoigu
No entanto, o líder mercenário acirrou suas críticas não só à forma como a guerra está sendo travada e a que preço, mas também a como o Kremlin justifica a invasão da Ucrânia. Na opinião de Taylor, as imputações contra Shoigu e Gerasimov são “justificadas até certo ponto, e a guerra está correndo muito mal para a Rússia”, contudo muitas acusações de Prigozhin “atingem expressamente Putin”, que teria invadido o país vizinho sob falsos pretextos.
O chefe do Kremlin precisa decidir se mantém Shoigu no cargo. Taylor constata que muito do que o ministro da Defesa contou a seu superior sobre o novo exército “provou não ser verdade, e assim seria lógico se Shoigu fosse mandado embora”. Porém essas inverdades já eram óbvias um ano atrás, logo em seguida à invasão da Ucrânia.
O analista recorda que Shoigu é um ministro civil da Defesa, enquanto os militares são responsáveis por fiascos em diversos níveis. Por outro lado, quem responde é o presidente por maus cálculos e metas não alcançadas, como uma troca de poder na Ucrânia. Entretanto Putin demitir Shoigu imediatamente isso seria um sinal de fraqueza, seria ceder a Prigozhin, que ele acusou de traição, argumenta Taylor.
Também para Fabian Burkhardt, especialista em Rússia da Universidade de Regensburg, uma demissão logo após a insurreição seria “um sinal inequívoco de fraqueza”: “Mesmo tendo ficado claro que a impopularidade de Shoigu é extrema, também no Exército, pode haver bons argumentos para se aguardar e anunciar o afastamento num momento mais tardio.”
Aliado íntimo de Putin
Sabe-se que Putin não despede aqueles que considera como gente sua. Até porque Serguei Shoigu é um caso especial, como mostra sua biografia. Hoje com 68 anos de idade, ele provém dos meios abastados da nomenklatura soviética: seu pai era secretário do Partido Comunista em Tuva, atualmente república autônoma.
Após formar-se como engenheiro civil, Shoigu fez carreira rápido, dirigindo ainda jovem projetos de construção importantes. Nos últimos anos da União Soviética, mudou-se para Moscou, onde fundou e dirigiu o Serviço de Salvamento estatal. Este se transformaria no Ministério da Defesa Civil, que Shoigu liderou por quase 20 anos.
No fim dos anos 90, contava como ministro russo mais apreciado, e liderou o recém-formado partido do Kremlin, o Unidade, precursor do atual Rússia Unida. Em 2012, assim que Putin voltou a trocar o cargo de primeiro-ministro pelo de presidente, Shoigu foi nomeado governador da região de Moscou.
Poucos meses mais tarde, assumiu a pasta da Defesa e começou com reformas. Logo retomou-se no exército russo a prática soviética de controles de prontidão de combate não anunciados. Nas eleições de 2021, Shoigu ocupou mais uma vez a primeira posição na lista de seu partido.
No segundo e quarto semestres de 2021, pouco antes de a Rússia mobilizar tropas para as fronteiras com a Ucrânia, o presidente e o ministro da Defesa se recolheram para as florestas boreais de taiga. Fotos da época evidenciam a relação especial entre os dois.
Impasse de Shoigu pode ser vantagem para Kiev?
Então, Shoigu era cogitado para sucessor de Putin, mas para Brian Taylor é improvável que isso ocorra. Além do fato de que “toda a lógica do sistema altamente personalizado de Putin não prevê alternativa nem sucessor”, o analista aponta dois outros motivos: primeiro, ambos têm quase a mesma idade, e um novo presidente teria que vir da geração mais jovem.
Em segundo lugar, “o potencial de Shoigu para se tornar presidente é também restrito pelo fato de ele não ser russo étnico”. Em vez disso, permanece “um ministro da Defesa bem seguro e um aliado de Putin que é prestigiado e apreciado”.
Um detalhe biográfico confere uma nota emocional ao conflito com Yevgeny Prigozhin: no começo da década de 80, Shoigu dirigia uma firma empreiteira da Sibéria, como mais de 10 mil presidiários sob duas ordens. E agora, 40 anos mais tarde o Grupo Wagner – a que hoje pertencem numerosos ex-prisioneiros, entre os quais o próprio Prigozhin – iniciou um levante armado com o fim de expulsar Shoigu do cargo.
O impasse de Putin é duro, constata Taylor: exonerar Shoigu seria sinal de fraqueza; mantê-lo poderá agravar a insatisfação nas Forças Armadas com o Ministério da Defesa. Portanto não seria de surpreender se, dentro de algumas semanas, o presidente dispensar o ministro, concedendo-lhe um outro posto honorável.
Na opinião do especialista, “a Ucrânia também pode se beneficiar das consequências da insurreição”: a reação do exército russo à contraofensiva de Kiev poderá estar menos organizada, e a moral de combate, debilitada. Como as lutas prosseguiram mesmo durante o motim, contudo, não é de se esperar um colapso das forças russas no front.
Fonte: DW Brasil
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