Após a chegada de 6.750 migrantes à ilha italiana de Lampedusa nos últimos dias, a Guarda Costeira e o Ministério do Interior da Itália anunciaram a remoção imediata dos acolhidos nos abrigos superlotados, para a Sicília ou para a parte continental do país.

O governo da Sicília anunciou que uma barca com capacidade para 700 passageiros estava a caminho. Outros 180 seriam embarcados em voos organizados pela Organização Internacional para a Migração (OIM) da ONU.

“Condições apocalípticas”

A Cruz Vermelha italiana, que administra o “Hotspot”, como é chamado o centro de acolhimento de migrantes em Lampedusa, declarou em seu portal de internet que a situação estava tensa, mas que se fazia todo o possível para assegurar os cuidados essenciais.

O pároco de Lampedusa, Don Carmelo Rizzo, relatou à agência de notícias Ansa que o abastecimento de água estava ameaçado: “As condições são apocalípticas.” A Cruz Vermelha pretende passar a transferir os migrantes para a Itália continental no dia mesmo em que chegarem à ilha.

Com capacidade máxima para 450, o “Hotspot” está completamente sobrecarregado. Isso força os migrantes a ficarem acampados em quebra-mares e no cais na zona portuária.

Na última quarta-feira (13/09) houve choques violentos com os agentes de segurança quando recém-chegados iniciaram um protesto contra as más condições. Na véspera, uma criança de colo caiu na bacia portuária e se afogou.

Aumentam travessias a partir da Tunísia

Segundo a imprensa italiana, ainda mais embarcações de migrantes aguardam para aportar em Lampedusa. A Guarda Costeira explicou que o grande afluxo ocorre em razão de um “congestionamento” no porto de Sfax, na Tunísia: durante dias o mau tempo impedira os barcos dos traficantes de pessoas de partirem, mas desde o inicio da semana as condições melhoraram.

Na Sicília e na Itália continental, os migrantes de Lampedusa são acomodados em centros de acolhimento, onde devem ser registrados. As autoridades italianas recebem a ajuda de funcionários da agência de asilo da União Europeia (UE) EASO e da agência de fronteiras do bloco, a Frontex.

Do total estimado de aproximadamente 120 mil chegados à Itália em 2023, somente uma minoria teve suas impressões digitais registradas e entrou com pedidos de asilo no país, segundo o Ministério do Interior em Roma.

A maioria deseja viajar para o norte, até países como Alemanha, França ou Áustria. Os centros de acolhimento não são fechados, e os migrantes podem deixar o local por conta própria.

A ONG Baobab Experience afirma que muitos permanecem na Itália apenas por poucos dias, antes de partirem rumo norte de ônibus ou trem, com ou sem a ajuda de traficantes.

Fronteiras reforçadas

A França voltou a reforçar os controles na fronteira com a Itália, que estão ativos há alguns anos. A Áustria fez o mesmo em sua fronteira sul, enquanto a Alemanha estabeleceu controles fronteiriços entre o estado da Baviera e o território austríaco.

O efeito desses controles, porém, é limitado, afirma o pesquisador da migração Gerald Knaus. Qualquer indivíduo que entre no espaço de Schengen – os países europeus entre os quais há livre circulação – ou nos países da UE, sem passar por sistemas de controle de fronteiras, possui boas chances de conseguir chegar à Alemanha.

Em números absolutos, a Alemanha é o principal destino dos requerentes de asilo na UE, apesar de não estar nas fronteiras externas do bloco europeu – excetuados seus aeroportos.

 A Alemanha raramente deporta requerentes de asilo. Segundo o Departamento Federal para Migração e Refugiados (Bamf) do país, 220 mil novos pedidos de asilo foram encaminhados em 2023, até agosto. Em comparação, a Itália recebeu 64 mil requerimentos no mesmo período.

Itália ignora regras da UE

Há poucos dias, Alemanha e França suspenderam por completo o acolhimento voluntário de migrantes vindos da Itália. Em 2022, 3.500 foram transferidos do país mediterrâneo para outras nações da UE. Destes, em torno de mil foram para a Alemanha.

O ministro italiano do Interior, Matteo Piantedosi, reagiu com calma à decisão dos parceiros europeus, uma vez que essa estratégia não era de grande valia para o país. Ele confirmou que a Itália não adota mais as chamadas Diretrizes de Dublin, o procedimento de asilo da UE que obrigaria o país a aceitar de volta os migrantes que chegaram à Europa pela Itália.

“Não aceitamos mais as readmissões de migrantes de outros países, devido ao fluxo extraordinário que a Itália vem enfrentando há meses”, declarou Piantedosi.

ONU pede “mecanismo de solidariedade”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, renovou seu apelo por solidariedade entre os Estados europeus; “Os esforços não cabem somente aos países de entrada, mas devem ser compartilhados pelos demais países.”

“Esse é um problema da UE. Deve haver um mecanismo de solidariedade. O fluxo inclui quem migra por questões econômicas. Deve ser possível identificar quem merece o status de refugiado, observando o respeito aos direitos humanos, “, afirmou Guterres na quarta-feira.

Após anos de duras negociações, os ministros do Interior da UE estão próximos de concluir um novo pacto sobre a imigração visando possibilitar procedimentos mais rápidos nas fronteiras e aceleração das deportações dos migrantes econômicos – os que buscam refúgio devido a dificuldades materiais em seus países de origem.

A Polônia e a Hungria, porém, rejeitam categoricamente o mecanismo de solidariedade, enquanto o governo italiano, também de direita, defende sua implementação. Segundo o ministro Piantedosi, a medida transferiria a responsabilidade dos países nas fronteiras externas da UE para todos os Estados-membros.

Em 28 de setembro, os ministros debaterão em Bruxelas o novo pacto sobre a imigração. Especialistas como o sociólogo Gerald Knaus creem que pode levar anos até as novas regras entrarem em vigor e seus impactos serem percebidos.

Tunísia não cumpre acordo

Um acordo entre a UE e a Tunísia, anunciado há dois meses, ainda não deu sinais de que estar funcionando. Bruxelas prometeu ajudar o regime tunisiano com o envio de 1 bilhão de euros, e espera em contrapartida a restrição do fluxo migratório a partir do país.  

No momento, ocorre exatamente o contrário, critica o eurodeputado holandês Jeroen Lenaers: o número de migrantes continua aumentando, sem que haja qualquer mudança por parte dos tunisianos.

A Comissão Europeia afirma que esse acordo é só um memorando de entendimento, não devendo ser visto como um tratado com efeito legal. O presidente tunisiano, Kais Saied, já afirmou reiteradamente que se recusa a fazer o papel de polícia de fronteira para a Europa, e que os migrantes não devem permanecer na Tunísia.

Meloni não vê “respostas concretas”

O pacto com a Tunísia foi negociado pelos primeiros-ministros da Itália, Giorgia Meloni, e da Holanda, Mark Rutte, juntamente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Meloni exaltou o acordo como um sucesso de sua diplomacia, mas admitiu em entrevista à emissora RAI, na última quarta-feira, que não existe ainda uma resposta definitiva à questão da imigração.

“A questão do reassentamento para outros países da UE é secundária. Muito pouca gente foi redistribuída a partir da Itália nos últimos meses. Isso é só um cobertor de segurança. A questão não é como redistribuímos, mas como cessamos as chegadas à Itália, e ainda não vejo respostas concretas para isso”, reforçou a ultradireitista.

Fonte: DW Brasil