Apesar de as dimensões ainda não estarem claras, a extensão total do desastre causado pelas enchentes no nordeste da Líbia se torna cada vez mais aparente.

A imprensa local cita um porta-voz do governo, que falou em 5,2 mil mortos na cidade portuária de Derna, cuja população é de entre 90 mil e 100 mil pessoas.

“A contagem de mortos é enorme, milhares de pessoas foram dadas como desaparecidas”, afirmou Tamer Ramadan, diretor da missão da Federação Internacional das Sociedades Cruz Vermelha e Crescente Vermelho (IFRC) na Líbia.

A Organização Internacional para a Migração (OIM) relatou que, somente em Derna, ao menos 30 mil pessoal estão desabrigadas.

Localizada a 300 quilômetros de Benghazi, a segunda cidade mais populosa da Líbia, Derna é dividida por um leito de rio que normalmente seca durante o verão, mas as fortes enchentes o transformaram em uma enxurrada violenta que derrubou várias pontes. Muitos edifícios nas margens do rio entraram em colapso.

“A situação é catastrófica”, disse o ministro da Aviação do governo que controla o leste do país, Hichem Chkiut. “Há corpos em toda parte, no mar, nos vales, debaixo de edifícios”, ressaltou, alertando que a contagem final dos mortos será “muito, muito alta”. “Não exagero quando digo que 25% da cidade desapareceu.”

A agonizante espera por informações

Um morador de Derna disse à agência de notícias Reuters que já havia perdido 30 membros de sua família. Assim como milhares de pessoas, ele não sabia se os familiares dos quais ainda tinha recebido notícias estavam vivos ou mortos.

Thomas Claes, que dirige o escritório da Fundação alemã Friedrich Ebert para a Líbia, classificou de “agonizante” a situação das pessoas que continuam tendo dificuldades para encontrar seus parentes.

“Ouço de um grande número de pessoas que elas não conseguem contato com seus parentes e amigos há dois ou três dias. Isso ocorre também porque a rede telefônica colapsou. Por isso, não sabem como eles estão ou se estão vivos”, afirmou Claes.

Guerra civil piora impactos

Muito provavelmente, as enchentes foram causadas pelas mudanças climáticas, afirmou o meteorologista alemão Mojib Latif à emissora Bayerischer Rundfunk nesta quarta-feira (13/09). Ele explicou que isso seria consequência do encontro de temperaturas muito quentes no Mar Mediterrâneo com uma camada de ar frio vinda do norte.

Asma Khalifa, do Instituto Alemão para Estudos Globais e Regionais, avalia que os danos foram particularmente devastadores porque Derna já havia sofrido de maneira desproporcional com a guerra civil.

O conflito se instaurou no país após a queda do ditador Muammar Kadafi, deposto e assassinado em 2011. A instabilidade se agravou enquanto milícias e grupos armados e se digladiavam pelo poder, o que levou ao envolvimento de atores estrangeiros.

Khalifa diz que a situação era especialmente difícil para Derna em razão de a cidade ter sido controlada pelo grupo jihadista Estado Islâmico (EI) entre 2013 e 2014.

“Quando as forças líbias-árabes tentaram libertar a cidade, ela ficou sob bloqueio durante dois anos. Sua infraestrutura é frágil, ainda mais vulnerável do as de outras cidades no país”, afirmou.

Divisão do país impõe problemas estruturais

A Líbia é atualmente controlada por dois governos rivais. Um destes, com sede na capital Trípoli, é reconhecido internacionalmente. O outro, no leste do país, liderado pelo marechal Haftar, administra a região onde ocorreram as enchentes devastadoras.

“A divisão criada pela guerra gera enormes questões estruturais”, diz Khalifa. Isso fragilizou as instituições dos dois lados e “fomentou a corrupção massiva e o abuso dos recursos públicos”, contribuindo enormemente para o colapso da infraestrutura, como estradas e represas: “Esse é o maior motivo para a reação caótica a essa crise.”

Claes afirma que há relatos convincentes de que as represas ao redor de Derna não eram regularmente inspecionadas e mantidas: “Não sabemos com exatidão anda, mas, aparentemente, elas estavam em más condições. Isso, é claro, está relacionado ao fato de as estruturas do Estado estarem, de modo geral, fragilizadas na Líbia, especialmente no leste.”

O jornal pan-arábico Al Quds Al Araby, publicado em Londres, relatou que o colapso de duas represas e as enchentes não ocorreram somente em razão de fatores naturais, mas sim que, entre os motivos da tragédia, estaõ também defeitos estruturais e a negligência das autoridades.

Fracassos dos governos rivais

A reação inicial das autoridades às enchentes também foi alvo de críticas.

“Há relatos terríveis de que houve tentativas de ordenar evacuações, mas as forças militares na Líbia, tanto no leste quanto no oeste, estabeleceram toques de recolher e mandaram as pessoas ficarem em suas casas”, diz Khalifa.

É difícil confirmar esses relatos em um país com alto grau de instabilidade e fragmentação, onde as ações políticas não são transparentes.

Segundo Claes, os dois governos foram passivos no início da crise: “O governo em Trípoli tentou acalmar a população, mandando inicialmente uma mensagem de que a situação não era tão ruim e que era uma questão de a população se manter unida.”

Desde então, as autoridades dos dois lados passaram a agir e enviar ajuda emergencial. Serviços de resgate e técnicos capazes de fazer reparos na rede elétrica foram enviados às regiões atingidas.

Necessidade de ajuda internacional

Inúmeros países ofereceram apoio à Líbia. Equipes da Turquia, Egito e Emirados Árabes Unidos foram as primeiras a chegar ao país.

A ONU, por meio de seu Escritório de Coordenação de Questões Humanitárias, anunciou o envio de 10 milhões de dólares para o apoio às vítimas das enchentes.

Khalifa diz que o país precisa desesperadamente de ajuda: “É necessário apoio aéreo e capacidades de retirada e resgate, o que a Líbia não tem. [A ajuda] Deve vir dos países vizinhos, e a Líbia não está muito longe da Europa.”

Fonte: DW Brasil

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