Os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Europa têm apenas entre “cinco e nove anos” para “se preparam” em termos defensivos para responder a um possível ataque russo ao território da aliança militar, segundo uma análise da renomada think tank berlinense Sociedade Alemã de Política Internacional (DGAP).

Os autores do estudo, Christian Mölling e Torben Schütz, estão convencidos de que “a próxima guerra na Europa só poderá ser efetivamente evitada dentro de um período limitado de tempo”.

Eles salientam que a Rússia já converteu a sua produção de armas numa economia de guerra, na sequência da guerra contra a Ucrânia. “Mesmo depois de quase dois anos de conflito, a capacidade militar da Rússia é maior do que parece atualmente. As maiores perdas em pessoal e material foram sofridas pelas forças terrestres”, afirma a análise, intitulada Impedir a próxima guerra.

O texto sublinha que a Alemanha e a Otan estão “numa corrida contra o tempo” para aumentar a capacidade bélica das forças armadas convencionais a tal ponto que o seu potencial de dissuasão supere o cálculo russo para um ataque bem-sucedido, por exemplo, contra os membros da Otan Lituânia, Letônia e Estônia.

O especialista em segurança da DGAP Christian Mölling baseou suas conclusões em informações do serviço secreto e dos círculos militares alemães. A análise também está alinhada com as novas diretrizes da política de defesa da Alemanha, apresentadas no início de novembro pelo ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius. Nelas, Pistorius usou publicamente pela primeira vez a expressão kriegstüchtig (“hábil para a guerra”) como uma meta a ser seguida na renovação da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs).

“Com o brutal ataque de Putin contra a Ucrânia, a guerra regressou à Europa”, afirmou Pistorius. “Com isso, mudou a situação de ameaça. A Alemanha, como o país mais populoso e economicamente forte no centro da Europa, deve ser a espinha dorsal da dissuasão e da defesa coletiva na Europa”, disse o ministro ao apresentar as novas diretrizes para as Forças Armadas do país.

A base de cálculo para possíveis janelas de tempo para a Otan evitar a guerra por meio de um potencial maior de intimidação parte do pressuposto de que a Rússia conseguiria congelar a guerra na Ucrânia. Isto daria ao Kremlin tempo para recompor as suas forças terrestres.

No entanto, quase ninguém nos círculos políticos de Berlim crê que a guerra de agressão russa chegue rapidamente a essa paralisia. “Ambos os lados têm planos militares para continuar”, disse Nico Lange, especialista em Ucrânia e Rússia da Conferência de Segurança de Munique, em entrevista à DW. “Acho que temos que pressupor que isso continuará assim por um tempo.”

Guerra de trincheiras

O comandante ucraniano, Valeriy Saluschnyj, alertou, porém, recentemente que a ajuda militar das 50 nações que apoiam o seu país, lideradas pelos EUA, apenas levou a um “impasse”. A linha da frente no leste e no sul da Ucrânia praticamente não mudou durante a contraofensiva ucraniana desde junho.

“Numa guerra de trincheiras, contudo, a Rússia teria vantagem, porque a sua indústria armamentista tem aumentado a produtividade e dispõe de armas de artilharia quase que de forma ilimitada”, alerta o analista militar austríaco Markus Reisner. Ele crê que a Ucrânia só pode ter sucesso numa guerra de movimento. Para tornar isto possível novamente na próxima primavera, a Ucrânia precisa de armas mais modernas do Ocidente.

Muitos analistas acreditam que a frente na Ucrânia está se transformando em um campo de batalha cada vez mais eletrônico. Fala-se cada vez mais do uso de inteligência artificial na guerra. “Trata-se de controlar o campo eletromagnético dos sinais das transmissões de rádio e dos controles dos drones”, explica Reisner. Lange também confirma que a Rússia consegue agora interferir com muito sucesso em armas ucranianas guiadas por satélite.

Isto se aplica até aos lançadores de foguetes Himars fornecidos pelos EUA, com os quais a Ucrânia conseguiu interromper a linha russa de fornecimento ao recapturar território há um ano. “A Rússia tem muito sucesso em jamming“, diz Lange.

O termo jamming denomina a interferência intencional em sinais de satélite, radar e rádio inimigos. Isto é particularmente significativo pois o conflito na Ucrânia se transformou cada vez mais numa guerra de drones. Estes não só atacam com armas, mas também fornecem imagens e, juntamente com o reconhecimento por satélite, garantem uma frente transparente. “A Rússia também se armou nesse aspecto”, ressalta Lange.

Aparentemente, as sanções econômicas da União Europeia e dos Estados Unidos não impediram a Rússia de continuar a ter acesso a microchips e outros produtos de alta tecnologia. “A Rússia também tem o seu próprio sistema de navegação por satélite para guiar mísseis”, afirma Lange.

Reforço da Otan

De acordo com o estudo, ganha força em Berlim a avaliação de que a Rússia pode renovar rapidamente as suas forças terrestres com a produção contínua de armas. E de tal forma que o seu poder de combate venha a exceder o atual potencial de intimidação da Otan para uma guerra convencional na Europa.

“Especialistas e serviços de inteligência estimam que a Rússia precisará de seis a dez anos para reconstruir o seu exército ao ponto de poder ousar atacar a Otan”, destaca Mölling. Dessa forma, a Otan só tem um período de cinco a nove anos para se armar de modo a que um ataque da Rússia possa ser repelido.

“Um ataque da Rússia ao território da Otan é algo que já não pode ser descartado”, disse Mölling. “A questão já não é se a Alemanha e a Otan precisam estarem preparadas para uma guerra, mas sim: quando.”

Fonte: DW Brasil

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