Em um apelo pela reforma do sistema financeiro internacional, o presidente francês Emmanuel Macron afirmou, em discurso durante a abertura da Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global em Paris nesta quinta-feira (22/6), que “nenhum país deve ter que escolher entre reduzir a pobreza e proteger o planeta”.
Falando a líderes de governo de 40 países e representantes de organizações internacionais reunidos para repensar o paradigma financeiro mundial e debater o apoio aos países mais afetados por esses dois problemas, Macron citou o aumento da desigualdade durante a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia como fatores adicionais de instabilidade global.
O líder francês advertiu sobre a necessidade de elevar os aportes do setor público, mobilizando instituições internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Também fez severas críticas ao setor privado, a quem acusou de não estar “à altura” do desafio global, mas que teria o dever de elevar suas contribuições nesse sentido, colocando-se “a serviço do planeta”.
Macron, porém, ressaltou que cada país deve ter soberania para decidir sobre como combater a pobreza e mitigar os impactos das mudanças climáticas.
Os dois temas foram citados como as “batalhas existenciais do nosso tempo” em artigo em defesa da reforma do sistema financeiro, publicado nesta quinta-feira no Washington Post e assinado por 13 líderes mundiais, dentre eles Macron e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que também está em Paris.
Além de cobrar uma “transição ecológica justa”, o grupo advoga pela reforma do sistema de bancos de desenvolvimento multilaterais e cita o endividamento de países em desenvolvimento como desafio ao enfrentamento das mudanças climáticas.
“Precisamos priorizar transições justas e inclusivas de modo a garantir que os pobres e mais vulneráveis possam colher os benefícios (…), ao invés de arcar com os custos de forma desproporcional”, afirma o texto. “Precisamos também de novos modelos econômicos que reconheçam o imenso valor da natureza para a humanidade.”
Além de Lula e Macron, o texto é assinado pelos líderes de governo de Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido, África do Sul, Quênia, Senegal, Emirados Árabes e Barbados, bem como pelos presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia.
Arquitetura financeira internacional é a mesma desde 1944
Sediada no palácio Brongniart, a antiga Bolsa de Paris, a conferência que segue até sexta-feira é uma resposta às dificuldades enfrentadas por países em desenvolvimento em obter financiamento do FMI e do Banco Mundial para endereçar essas questões, mas também às movimentações geopolíticas de países do Sul Global.
O objetivo da cúpula é atualizar a arquitetura financeira internacional em vigor desde 1944, quando a prioridade das grandes potências era a reconstrução da Europa, e adaptá-la aos novos desafios contemporâneos: descarbonização da economia, combate à crise climática e proteção do meio ambiente.
Embora a cúpula queira traçar um “plano de ação” para futuras reuniões internacionais, já há ideias em discussão, como ampliar a capacidade de empréstimo do FMI e dos bancos regionais de desenvolvimento, aliviar a dívida dos países mais vulneráveis e reciclar 100 bilhões de dólares em Direitos Especiais de Saque, a moeda de reserva do FMI.
A França quer angariar apoio para a ideia de uma taxação mundial das emissões de carbono do comércio marítimo – a proposta, segundo especialistas, poderia render 20 milhões de dólares ao ano.
Endividamento de países em desenvolvimento compromete capacidade de enfrentar mudanças climáticas
Para resistir às mudanças climáticas, países em desenvolvimento mais suscetíveis a eventos climáticos extremos – caso de Barbados, por exemplo – têm que investir em políticas de adaptação a condições climáticas extremas e em medidas de reconstrução subsequentes a desastres como inundações, furacões e deslizamentos.
Mas o FMI estima que 43 dentre os 59 países nessa situação correm o risco de entrar em uma crise financeira justamente por causa da crise climática.
O alto nível de endividamento de países de baixa renda significa que empréstimos passaram a comprometer uma fatia muito maior de seus orçamentos.
Secretária do tesouro norte-americano, Janet Yellen afirmou em conversa com jornalistas nesta quinta que Washington irá pressionar Paris para que os credores de países pobres e em desenvolvimento possam participar de negociações de dívida.
Países em desenvolvimento cobram nações industrializadas
Países em desenvolvimento têm criticado posturas contraditórias das nações ricas: enquanto argumentam não ter dinheiro para financiar a luta contra as mudanças climáticas e a pobreza, apoiam a Ucrânia e saem em socorro de bancos norte-americanos.
O ponto nevrálgico do debate climático internacional é que os países mais vulneráveis demandam mais apoio financeiro dos países industrializados – que por sua vez respondem, historicamente, por uma fatia maior das emissões de carbono.
Essas nações industrializadas vinham resistindo aos apelos dos países mais vulneráveis, mas acabaram concordando com a criação de um fundo internacional em 2022, durante a COP 27 no Egito.
O acordo prevê o aporte de 100 bilhões de dólares por ano no fundo, mas não vem sendo cumprido apesar de cobranças públicas – inclusive de Lula, mas também de outros líderes mundiais que assinaram a carta-conjunta publicada nesta quinta.
Durante passagem por Roma antes de seguir rumo a Paris, o presidente brasileiro afirmou à imprensa que os países desenvolvidos que desmataram no passado têm “uma dívida histórica” para com a América Látina e a África, a quem têm o dever de ajudar.
Na capital francesa, ainda nesta quinta e paralelo à cúpula, jovens ambientalistas – dentre eles a sueca Greta Thunberg e a equatoriana Helena Gualinga – debatem sobre o “poder do ativismo”. À noite, os músicos Billie Eilish, Lenny Kravitz e Jon Batiste fazem um show pelo planeta aos pés da torre Eiffel, onde discursarão Lula e Thunberg.
Fonte: DW Brasil
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