Na região russa de Belgorod Oblast, próxima da fronteira com a Ucrânia, uma mulher chamada Galina afirma à DW: “No início da manhã, saímos da cidade sob os bombardeios. Deixamos todos os nossos pertences. Estamos aterrorizados”.
Ela estava entre um grupo de residentes de Shebekino que optou por abandonar a cidade após um intenso ataque na última quinta-feira (30).
Incursões de “voluntários”
Combatentes pró-Ucrânia da Legião da Liberdade da Rússia e do Corpo de Voluntários Russos afirmaram ter entrado em Shebekino na quinta-feira, declarando que iriam “libertar toda a Rússia, de Belgorod a Vladivostok”. O governo ucraniano negou qualquer envolvimento com os membros desses grupos, embora um oficial militar tenha reconhecido “cooperar” com eles.
No início de maio, esses grupos autoproclamados “voluntários”, supostamente formados por russos que lutam ao lado dos ucranianos, realizaram incursões na linha de frente da região de Belgorod. Os ataques foram considerados constrangedores para o Kremlin e levantaram suspeitas de que territórios da linha de frente na Rússia poderiam ser vulneráveis.
“Não sabemos quem irá nos proteger”
Os moradores da área estão muito preocupados. Em um vídeo postado no Telegram, dirigindo-se ao governo russo e expressando o sentimento de raiva dos habitantes da região, uma estudante disse: “Não sabemos quem irá nos proteger, quem irá nos ajudar. Por que temos que deixar a cidade sozinhos? Empurrem a linha de frente [para mais longe de nós] e salvem a região de Belgorod e Shebekino”.
Devido ao crescente número de ataques em solo russo nas últimas semanas, alguns moradores de Belgorod solicitaram ao governador que declarasse estado de emergência, o que lhes permitiria receber indenização do Estado.
). As hostilidades continuaram no dia seguinte, resultando no deslocamento forçado de cerca de 2,5 mil pessoas para abrigos temporários, de acordo com o governador regional, Vyacheslav Gladkov. Autoridades organizaram uma evacuação, mas alguns moradores tiveram dificuldade para deixar a cidade.
“A evacuação foi mal organizada. Era mais como um boca a boca. Não consegui entrar em contato com os números de emergência. Ouvia chamar e, depois, uma voz dizia ‘aguarde. O número que você discou não está disponível no momento’. Tive que procurar uma pessoa que pudesse me tirar de lá”, disse Svetlana, outra moradora.
Com 40 mil habitantes, Shebekino fica a cerca de cinco quilômetros da fronteira da Rússia com a Ucrânia. Os moradores afirmam que a cidade tem sido constantemente bombardeada nos últimos meses, e que o mais recente ataque, na quinta-feira, foi sem precedentes em termos de intensidade, deixando o município paralisado e parcialmente vazio. Imagens de mídias sociais compartilhadas por agências de notícias locais mostraram ruas envoltas por fumaça, com prédios destruídos e ruas cobertas de destroços de mísseis.
Conforme as autoridades locais, pelo menos 12 pessoas ficaram feridas e duas mulheres morreram em dois dias.
Esses mesmos moradores se dizem abandonados pelas autoridades: “Será que nosso governo precisa de nós? Eles veem as pessoas das zonas de fronteira como descartáveis”, declarou Svetlana.
À DW, alguns residentes criticaram a guerra – uma opinião que não pode ser compartilhada abertamente por eles, segundo argumentam, porque são minoria em Shebekino.
“Devemos retirar nossas tropas do território estrangeiro, devolver a Crimeia e os territórios ocupados à Ucrânia. As autoridades precisam cuidar primeiro de sua própria população”, disse Alina, que, a exemplo das demais entrevistadas, não quis dizer seu nome completo.
Sinal de “fraqueza”
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não expressou publicamente muita preocupação com os ataques nas regiões fronteiriças. Na quinta-feira, dia dos bombardeios mais intensos em Shebekino, ele respondeu calmamente a perguntas feitas por crianças – uma delas questionou se ele era mais poderoso do que o Papai Noel.
Questionado sobre os ataques feitos com drones em Shebekino, o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, disse: “Certamente isso não pode afetar o curso da operação militar especial [termo usado pela Rússia para a invasão da Ucrânia]”, aparentando minimizar os ataques.
Conforme escreveu a analista política Tatiana Stanovaya, membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace, a estratégia de Putin é “manter o silêncio sempre que possível, apresentar os fracassos como sucessos e não se alongar sobre os ataques. Assim, não haverá necessidade de reagir ou dar desculpas. Em suas relações com as instituições domésticas e a elite, Putin, há muito tempo, é guiado pelo mesmo mantra: ‘Não faça disso um grande problema'”.
Stanovaya acredita que a cartilha usual de Putin começou a sair pela culatra: “As pessoas querem ver uma liderança forte, mas, neste momento, essa liderança está parecendo cada vez mais impotente e confusa”, escreveu ela.
Abbas Gallyamov, analista político e ex-redator de discursos de Putin, avalia que os ataques em território russo podem ter impacto na percepção do público sobre a liderança russa e a guerra na Ucrânia.
“Os ataques em Belgorod destroem completamente o mito do exército invencível de Putin. Eles [os militares russos] não apenas não sabem como avançar, mas também são ruins em se defender. Nada pode destruir mais a base de apoio público em um governo autoritário do que a fraqueza”, disse Gallyamov, no Telegram.
Fonte: DW Brasil