Dois anos depois de a subprefeitura do distrito de Mitte aprovar o rebatismo da rua Mohrenstrasse em Berlim, uma decisão do Tribunal Administrativo da capital alemã pode pôr agora um ponto final à querela que se arrasta há anos, dividindo ativistas antirracistas e moradores e comerciantes.

Mohren é uma palavra antiga da língua alemã usada para designar pessoas negras – só que com conotação pejorativa e preconceituosa, argumentam críticos. O termo remete à escravidão e é envolto por uma aura negativa semelhante à da expressão “mulato” na língua portuguesa.

A decisão, proferida nesta quinta-feira (06/07), responde a sete processos judiciais movidos por cidadãos que se opõem à renomeação do logradouro. O principal processo argumentava que a rua havia sido batizada há 300 anos e que o termo na época não tinha conotação racista.

Juiz do caso, Wilfried Peters afirmou que a renomeação foi um ato administrativo e que cabe à administração pública do distrito de Mitte decidir sobre os nomes das ruas. O magistrado também rejeitou acusações de arbitrariedade e erro dos agentes públicos, mas não discutiu o mérito do caso – isto é, se o logradouro deveria ou não ser renomeado –, argumentando que a questão extrapola as competências do tribunal.

“Razões de ordem histórica e política não foram alvo da decisão”, ressaltou Peters.

Renomeação pendente desde 2020

A Mohrenstrasse foi assim batizada em 1706. Na Idade Média, a palavra Mohr (mouro) era utilizada como referência racializada aos muçulmanos da Europa e do Norte da África. Segundo linguistas, no século 18 o vocábulo tornou-se uma alusão pejorativa a pessoas negras, caindo em desuso nos dias atuais. 

Na esteira dos protestos do Black Lives Matter, em 2020, políticos dos partidos Verde, Social-Democrata e A Esquerda atenderam ao clamor do movimento negro e concordaram em rebatizar a rua, pedindo a eliminação do “nome de origem racista, que criminaliza e fere a reputação nacional e internacional de Berlim” – a renomeação da estação de metrô, que atende pelo mesmo nome desde a década de 1990, segue pendente.

À decisão se seguiram duas centenas de queixas oficiais encaminhadas à administração pública e sete processos judiciais, razão pela qual a renomeação de fato se arrasta desde então.

Ativistas costumam pichar um trema no “o”, transformando “Mohren” em “Möhren” – cenoura –, dando um sentido mais leve à nomenclatura.

Entidades engajadas na luta antirracista em Berlim e Brandemburgo reagiram à decisão desta quinta pedindo “que as placas da rua – quase três anos após a decisão dos gestores do distrito – sejam finalmente trocadas”. Em um comunicado conjunto, as organizações argumentam em favor de medidas como a renomeação de ruas, placas informativas e intervenções para incentivar reflexões na sociedade sobre continuidades do colonialismo.

Homenagem ao homem que seria o primeiro estudioso na Alemanha de origem africana

A rua de Mitte agora poderá ser rebatizada de Anton-Wilhelm-Amo-Strasse, um estudioso de origem africana que viveu na Alemanha no século 18 e que lecionou nas universidades de Halle, Wittenberg e Jena.

Considerado o primeiro acadêmico negro da Alemanha, não se sabe ao certo como Amo foi parar na Alemanha. Segundo alguns relatos, ele teria sido capturado como escravo pela companhia Dutch West India, notória pelo tráfico e exploração de negros. Outras fontes sustentam que ele teria sido “dado” à corte do principado de Brunswick-Wolfenbüttel, e lá escravizado.

Fonte: DW Brasil

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