Trata-se do elemento invisível responsável pelo impulso na produção de trigo no Iraque, país tido como um dos mais ameaçados pelas mudanças climáticas e estiagens em todo o mundo.

Também ajudou a aumentar a quantidade das tamareiras fundamentais nos oásis da Tunísia, além de manter a continuidade da agricultura no Iêmen no meio à guerra civil e assegurar o abastecimento de água nas cidades costeiras da Líbia. 

Os lençóis freáticos – a água fresca armazenada no subsolo e acessada através da perfuração de poços – sempre tiveram papel importante nos países áridos do Oriente Médio e Norte da África.

Por serem subterrâneas, essas reservas sentem menos os impactos das secas e do calor, fornecendo água  para ao menos dez nações árabes, segundo um relatório de 2020 da Comissão Econômica e Social da ONU para a Ásia Ocidental (ESCWA).

Mas, enquanto aumenta o impacto das mudanças climáticas sobre as poucas chuvas que caem sobre esses países, e com os verões extremamente quentes que secam cada vez mais os rios e lagos, a água do subsolo se torna ainda mais importante.

Pouco se sabe sobre os lençóis freáticos

“Os lençóis freáticos ganham cada vez mais atenção”, diz Annabelle Houdret, pesquisadora do Instituto Alemão Para o Desenvolvimento e Sustentabilidade (Idos), que estuda o gerenciamento das reservas hídricas subterrâneas no Marrocos.

“De modo geral, as pessoas não pensavam nisso quanto deveria, simplesmente por ser algo que não participava ver. Se virmos um rio onde o nível da água diminui drasticamente, a reação é imediata”, sustentou. “Mas, é algo abstrato. Quando finalmente tivermos consciência do que acontece com os lençóis freáticos, poderá ser tarde demais.”

A natureza variável dos lençóis freáticos torna-se ainda mais complicada, explica Mohammed Mahmoud, diretor do programa sobre clima e água do think-tank Middle East Institute, com sede em Washington.

Ele diz que há uma pressão cada vez maior sobre os lençóis freáticos da região, embora a água também seja um recurso natural que gera complicações. O manejo das reservas subterrâneas depende do tipo de solo ou rochas existentes no local onde a água está armazenada.

No Oriente Médio, por exemplo, alguns desses lençóis vêm sendo abastecidos de água há milhares de anos. Trata-se do chamado lençol freático fóssil, que é muito difícil de ser confirmado. Assim como os combustíveis fósseis, é um recurso de uso único.

“Esses recursos hídricos são encontrados a grandes profundidades e difíceis, ou até jamais, são renovados”, explica Ramon Brentführer, gerente de projetos do grupo consultivo de lençóis freáticos do Instituto Federal de Geociências e Recursos Naturais da Alemanha. “Mas, nas últimas décadas, esses aquíferos vêm sendo cada vez mais exploradores.”

Em contrapartida, alguns lençóis freáticos se renovam com regularidade, por exemplo, em razão das chuvas. Isso, porém requer cuidados por parte de quem os utiliza. É necessário manter um equilíbrio, ou seja, não retirar mais água do que a quantidade que entra nos aquíferos.

Dificuldades para calcular as reservas

Entidades como a ESCWA alertam que esse equilíbrio pode não estar sendo observado no Oriente Médio, embora seja bastante difícil saber a dimensão da desproporcionalidade do uso da água, ou como administrá-lo.

Isso ocorre, em parte, em razão das dificuldades para subir os níveis das reservas subterrâneas em razão de sua localização. Além disso, a forma como os países da região medem seus recursos hídricos, acima ou abaixo do solo, varia enormemente.

Por exemplo, no Iêmen, país que há quase uma década está assolado por uma guerra civil, é extremamente difícil medir as reservas de água.

Outros países como a Arábia Saudita parecem estar familiarizados com os níveis de seus lençóis freáticos. Em 2018, Riad suspendeu seu programa de expansão agrícola iniciado nos anos 1970, que se baseava no uso das reservas subterrâneas para abastecer plantações de trigo. A decisão sugere que os sauditas tinham percebido que estavam abusando desses recursos.

É possível medir o nível dos lençóis freáticos a partir do espaço, com a utilização de satélites do programa Gravity Recovery and Climate Experiment (Grace) da Nasa, que monitora os movimentos da água como o derretimento de geleiras e o aumento do nível dos oceanos, ao medir a gravidade na Terra.

Quando há movimentações de massa, a gravidade da Terra é minimamente alterada. Quando há menos água abaixo do solo, também há menos massa, e os satélites conseguem registrar essas informações.

“O Grace, no entanto, não consegue fornecer dados para o gerenciamento local da água”, diz Brentführer. “É nesse ponto que o sensoriamento remoto atinge seus limites.”

Portanto, é necessário haver, por exemplo, poços locais de observação, afirma o especialista. Isso é algo que requer financiamento, projeto de construção e monitoramento constante por pessoal treinado, o que faz com que se torne uma opção inviável em alguns lugares.

Brentführer afirma que a falta de informação é somente um dos aspectos desse quadro. “Na Jordânia, por exemplo, a situação dos lençóis freáticos é bem conhecida, mas há uma falta de aplicação da regulamentação da ingestão de água para a agricultura. Os países ricos do Golfo – como a Arábia Saudita – têm conhecimento sobre seus recursos hídricos, nas não são transparentes quanto aos dados.”

Houdret, do instituto Idos, diz que muitas nações do Oriente Médio já possuem regulamentações do uso da água, mas a aplicação das mesmas dificuldades.

Ela dá como exemplo um funcionário da autoridade hídrica do Marrocos encarregado de verificar poços ilegais. Ele tem um carro com uma quantidade limitada de combustível e um enorme território para coberto, além de ser com frequência recebido com pedras atiradas pelos moradores dos vilarejos que não querem nenhuma proteção.

Quando acabarão os recursos hídricos?

A questão é: se ninguém realmente sabe o quanto de água existe nos lençóis freáticos ao mesmo tempo em que aumenta o uso desses recursos, existe a possibilidade de o Oriente Médio ficar sem água?

Os dados dos satélites Grace parecem indicar que os lençóis freáticos da região foram significativamente esvaziados na última década. O ESCWA relatou que diversos aquíferos vêm sendo utilizados com intensidade maior do que seus recursos de reforço. 

Apesar desses alertas, a verdade é que não se sabe se, ou quando, o Oriente Médio permanecerá sem as reservas subterrâneas de água.

Os lençóis freáticos envolvem um sistema bastante complicado que interage com outros sistemas naturais”, diz Youssef Brouziyne, representante regional para o Oriente Médio e Norte da África do Instituto Internacional de Gerenciamento da Água, uma organização sediada no Sri Lanka.

Esses sistemas incluem rios ou terras úmidas nas proximidades, que estão associados a ecossistemas, índices pluviométricos e regiões costeiras, além de serem influenciados por fatores como a salinidade e o combustível. 

Outra razão para a dificuldade em medir o nível da água é o fato de as reservas hídricas atravessarem fronteiras. Um relatório de 2021 da ESCWA destacou que poucos países no Oriente Médio possuíam gestão dos recursos hídricos como “adequados”.

Também é difícil saber se um país utiliza maior quantidade de água do que os demais que planejam das mesmas reservas subterrâneas.

Brouziyne, porém, enxerga alguns motivos para otimismo. Ele diz que as nações estão cada vez mais propensas a trabalharem juntas. Mesmo países que não possuem relações bilaterais conseguem se reunir quando a questão é o gerenciamento dos recursos hídricos. 

“A compreensão do equilíbrio entre a garantia da água e os diferentes níveis de abastecimento deve fornecer respostas sobre como a sustentabilidade do uso da água e se o perigo de uma escassez é real”, afirmou.

“O desafio é equilibrar os interesses de curto prazo, muitas vezes privados, e os interesses sociais e ambientais de longo prazo.”

Fonte: DW Brasil

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