Justiça do Maranhão, condenou a empresa 99 Táxis Desenvolvimento de Softwares a reativar a conta de um motorista ao sistema de aplicativo de transporte urbano por ela administrado, no prazo de cinco dias, contados da intimação da decisão, além de pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. O entendimento unânime foi de que a conduta da companhia foi abusiva, ao excluir de forma arbitrária o condutor parceiro, sem comprovação do suposto assédio sexual contido em mensagem.
O órgão colegiado do Tribunal alterou a parte da condenação para pagamento de indenização por lucros cessantes, para que seja calculado desde a data do desligamento do condutor na plataforma até a data de sua reintegração, acrescidos de juros de mora (cobrado quando ocorre o atraso no pagamento de uma conta), a partir da citação, e correção monetária, a partir do efetivo prejuízo que o motorista diz ter sofrido. Ainda cabe recurso.
De acordo com o relatório, o motorista alegou que estava cadastrado na empresa havia mais de dois anos. E que sempre desempenhou a atividade com seriedade, conseguindo êxito em seu trabalho ao ser elevado a uma categoria superior. Narra que, em 24 de setembro de 2020, recebeu solicitação de viagem, tendo aceitado a corrida e se dirigido ao local indicado no aplicativo. Contudo, ao chegar no destino, a passageira não se encontrava no endereço indicado, o que o motivou a entrar em contato com ela e informar seu número pessoal, para que a passageira pudesse lhe enviar a localização atual, o que não teria ocorrido, aguardando pelo tempo indicado pelo aplicativo.
O motorista acrescentou que a passageira lhe pediu que cancelasse a corrida, o que não ocorreu, momento em que o condutor disse ter recebido mensagens ameaçadoras no WhatsApp, provenientes do número de contato da passageira, contudo com foto de um homem no perfil. Após o ocorrido, disse que foi surpreendido com o aviso de suspensão de sua conta no aplicativo. Afirmou que, no mesmo dia, efetuou denúncia da ameaça junto à segurança da empresa, recebeu e-mail como resposta e, novamente, relatou o ocorrido. Ainda na mesma data, conta que recebeu uma mensagem da empresa, informando a “conduta em desacordo com os Termos de Uso e optou pelo descadastramento definitivo do motorista”.
O pedido de lucros cessantes, no valor de R$ 3.375,94, disse ser referente aos 46 dias não trabalhados após o desligamento, conforme cálculos em tabela que anexou ao processo.
A empresa 99 argumentou, dentre outras razões em seu recurso, que a natureza da atividade desempenhada pela plataforma é de economia colaborativa, configurando-se em fornecimento da sua plataforma digital para aproximação em escala de passageiros e motoristas particulares/taxistas autônomos, de forma que a relação com seus usuários é regida por Termos e Condições de Uso da ferramenta, onde estão inseridos o Contrato de Licenciamento de Uso de Software e regras de utilização da plataforma, termos aceitos pelos usuários.
Disse que o bloqueio do motorista foi motivado por violação dos termos de uso da plataforma, narrando ter recebido denúncia de passageira, de grave teor (assédio sexual), decorrente do envio de mensagem no chat do aplicativo, onde é permitido a interação do motorista, oferecendo seu número de WhatsApp e dizendo “manda ai vou pegar vc”.
Acrescentou que há cláusula que dispõe que o motorista será avaliado por passageiros, podendo ter sua licença cancelada, caso seja mal avaliado. Disse ainda que, no período em que o motorista utilizou o aplicativo da 99, foram verificadas más condutas que ensejaram seu bloqueio definitivo da plataforma. Alegou inexistência de lucros cessantes e ausência de dano moral.
Para o relator, desembargador Jamil Gedeon, ainda que considerada a autonomia da vontade e liberdade de contratação e afastada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a exclusão do motorista, no contexto dos autos, viola os princípios da boa-fé, consensualismo e função social do contrato, sendo até discriminatória, pois tem como fundamento fato imputado contra o recorrente sem que fosse oportunizada a apresentação de defesa.
O desembargador disse que não existe prova nos autos de que a parte autora tenha violado os termos e condições de uso da plataforma, tampouco assediado sexualmente uma passageira, considerando que o teor da mensagem “manda ai vou pegar vc”, dentro de um contexto em que um motorista tenta localizar uma passageira que solicitou o serviço de transporte, num determinado ponto de embarque, não denota minimamente qualquer desrespeito à honra da contratante.
O relator entendeu que “A 99TÁXI procedeu de forma abrupta, sem qualquer oportunização de defesa por parte do motorista, descumprindo o ônus previsto no artigo 373, II, do CPC, enviando-lhe somente cópia da reclamação apresentada, com a comunicação de bloqueio do aplicativo por tempo indeterminado”.
Jamil Gedeon afirmou que o exercício abusivo do direito constitui ato ilícito (CC, 187), pelo que, diante da ilicitude da exclusão, é devida a reativação do cadastro do motorista na plataforma, nas mesmas condições anteriores, bem como enseja a condenação da plataforma ao pagamento de danos morais, ante a violação da dignidade do parceiro.
Por fim, disse que deve ser reconhecido o direito ao recebimento de “lucros cessantes” quando se tratar de valores correspondentes ao que o autor efetivamente teria deixado de receber por consequência direta do ato ilícito cometido pela ré.
Em seu voto, o relator reproduziu trechos dos Termos de Uso do Motorista, ressalvou que, de forma diversa da que defende o aplicativo em suas razões recursais, não há evidências que desabonem a conduta do motorista, que apresentou nota de avaliação 4.88 em mais de 3.000 viagens realizadas nos dois anos anteriores ao seu desligamento, tendo sido elevado a categoria superior, e disse que o dano moral foi fixado nos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
Em relação ao pedido de indenização por lucros cessantes, também entendeu que merece ser mantido. Verificou que, na sentença, o magistrado fixou os lucros cessantes, equivalentes a R$ 73,39, até o dia da efetiva reintegração do autor, contudo não fixou o seu termo inicial, razão pelo qual entendeu que devem abranger o período em que o autor ficou bloqueado do aplicativo, desde 24 de setembro de 2020.
Considerou que o lucro cessante é espécie do gênero dano material, bem como a relação é contratual, e entende que os juros de mora fluem a partir da citação e a correção monetária incide a partir da data do efetivo prejuízo.
Os desembargadores Cleones Cunha e Lourival Serejo acompanharam o voto do relator, negando provimento à apelação da empresa 99 e dando provimento à apelação do motorista.
Fonte: TJMA