Maria Gisleia Bento foi impedida de receber um prêmio que ganhou em um sorteio realizado pela prefeitura de Centro Novo do Maranhão, a 261 km de São Luís, em comemoração ao Dia das Mães, no último domingo (12). Após ser sorteada com uma geladeira, ela foi impedida de receber o eletrodoméstico sob a alegação de que “ela não poderia ser mãe por ser lésbica”. Além disso, a organização do sorteio afirmou à ganhadora que ela deveria participar de outro sorteio, o do Dia dos Pais, para conseguir a premiação.
O caso, que gerou repercussão nacional, é uma das tantas situações de LGBTFobia no Maranhão. Nos primeiros quatro meses deste ano, foram registrados mais de 10 mortes por LGBTFobia no estado, segundo o Observatório de Políticas Públicas LGBTI+ do Maranhão. O número, entretanto é menor do informado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), que tem registro de apenas três casos em 2024.
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De acordo com a presidente da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (Amatra), Andressa Sheron, a dissonância de informações sobre o total de mortes por LGBTFobia no estado deve-se ao fato de que muitos casos ainda não são denunciados pelas vítimas por conta de receio de sofrerem mais discriminação e pelo descrédito no sistema de segurança pública.
“Muitas dessas pessoas que são vítimas de LGBTFobia acabam recebendo mais violência ao irem às delegacias fazer o registro do crime por estarem vulneráveis. E vemos também a inércia do sistema de segurança publica, em não dá atenção para os casos, que dificilmente são desvendados ou dado prosseguimento, ou simplesmente, não são contabilizados como casos de LBGTFobia”, relata.
Os dados do Observatório de Políticas Públicas LGBTI+ mostram ainda que em 2023, foram registrados quase 30 casos de mortes motivadas por LGBTFobia no Maranhão. Assim como os casos desse ano, os dados do Observatório são maiores dos registros da SSP, que aponta ter havido apenas oito casos de violência letal contra população LGBTQIA+ no estado. De acordo com a SSP, as ocorrências de LGBTFobia são investigadas no âmbito da Polícia Civil para a resolução de crimes desta natureza.
Discriminação e morte
Maria Gisleia, vítima de LGBTFobia em Centro Novo do Maranhão, contou ao Portal Difusora News a situação de humilhação que ela e a companheira sofreram durante a festa das mães em Centro do Novo do Maranhão. “Me senti envergonha, humilhada porque a fala foi no meio de todo mundo. E ainda está muito difícil, porque as pessoas continuam olhando pra gente como julgamento”, relatou. A companheira de Maria Gisleia, Tatiele de Souza Amorim, disse que a discriminação sofrida por elas está prejudicando também a filha do casal. “Minha filha também está sofrendo na escola com os comentários. Então isso atingiu todas nós”, disse.
Na última terça-feira (14), o Ministério Público do Maranhão (MP-MA) firmou, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura de Centro Novo do Maranhão, determinando que a gestão adote medidas para reverter as ofensas e opiniões contra a comunidade LGBT, incluindo retratação nominal e apoio psicológico ao casal e seus familiares.
O município deve apresentar à Justiça, até 30 de maio, um cronograma de campanhas educativas e eventos de combate à discriminação devido à orientação sexual. O descumprimento do acordo pode levar à tomada de medidas judiciais cabíveis.
Outro caso que gerou muita repercussão e revolta foi a morte violenta de Ana Caroline Sousa Campelo, lésbica, 21 anos, assassinada barbaramente no município de Maranhãozinho, a 232 km de São Luís, em dezembro de 2023. O corpo de Ana Caroline foi encontrado em uma estrada vicinal, sem a pele do rosto, do couro cabeludo, dos olhos e orelhas.
Recentemente, a A Justiça aceitou denúncia do Ministério Público do Maranhão (MPMA) contra o acusado de matar Ana Caroline, identificado como Elizeu de Castro, que foi preso em 31 de janeiro de 2024, e está preso na Unidade Prisional São Luís I, na capital maranhense.
Iniciativas de combate à LGBTFobia
Andressa Sheron cita como iniciativas importantes na luta pelo combate aos casos de violência LGBTFóbica, a equiparação do crime de LGBTFobia ao racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, além dos equipamentos criados pelo poder público, mas principalmente pela sociedade civil.
“Através dessa equiparação decidida pelo STF, podemos denunciar e se amparar com um resguardo legal. Além disso os equipamentos, os mecanismos e outras inicativas promovidas pelos poderes públicos, mesmo que ainda sejam poucas aqui no Maranhão, nos dão suporte para ao menos minimizar toda essa violência que nós sofremos”, pontua.
A presidente da Amatra cita ainda como iniciativas criadas pela sociedade e que contribuem para evitar ou combater os casos de LBGTFobia no Maranhão e acolher as vítimas do crime, órgãos como o Conselho Estadual de Direitos Humanos LGBT+, o Observatório de Políticas Públicas LGBTI+ e os fóruns. Segundo ela, através desses mecanismos, a população consegue dialogar e buscar parcerias com órgãos públicos como a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça e outras instâncias do poder público.
Andressa Sheron cita ainda a formação e a oportunidade de emprego formal como uma das formas de prevenção à vulnerabilidade da população LGBTQIA+. Nesse quesito, foi aprovado um projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de São Luís no mês de abril, que reserva 3% das vagas de emprego para pessoas autodeclaradas travestis e transexuais em empresas com mais de 100 funcionários na capital maranhense. De acordo com o Coletivo Nós (PT), autor do projeto, a proposta tem como objetivo promover a inclusão e combater a discriminação dessas pessoas no mercado de trabalho e as consequentes violência ao público.
“A lei objetiva criar uma política de inclusão no setor privado, um mecanismo não impositivo, mas de sensibilização das empresas, enfrentando o alto grau de vulnerabilidade do grupo à empregabilidade, formalidade trabalhista e dignidade laboral”, disse o co-vereador Jhonatan Soares.
Em nota, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) disse que segue realizando ações de combate à LGBTFobia com a efetivação de leis que potencializam o enfrentamento a este tipo de violência, além de criar e instituir a Rede que conta com 28 órgãos da sociedade civil e poder público no combate à violência contra a população LGBTQIA+.
Acolhimento
A Casa FloreSer Maranhão atende e acolhe pessoas LGBTQIA+ que por conta de sofrerem LGBTFobia, encontram-se em situação de vulnerabilidade social. Situada no bairro do Araçagy na região metropolitana de São Luís, o espaço foi inaugurado em 2021 e já atendeu de forma direta, 128 pessoas.
De acordo com a vice-presidente da Casa, Lohana Pausini, apesar de quase três anos de atuação e de ser a única iniciativa de acolhimento de pessoas LGBTQIA+ no Maranhão, o equipamento ainda não conseguiu nenhum tipo de parceria com órgãos públicos ou privados e é mantido apenas pelo Instituto Raissa Mendonça, ONG que criou o espaço. Recentemente, a Casa FloreSer Maranhão foi selecionada no edital Acolher+, iniciativa realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos com a Fiocruz, que destinará recursos para fortalecer casas de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em todo o país.
Denúncias
Rakley Bueno, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional Maranhão (OAB/MA), diz que o principal entrave encontrado no desenvolvimento de políticas públicas de combate aos crimes de LGBTFobia no Maranhão é a subnotificação dos casos e, principalmente a falta de estrutura das delegacias para receber essas pessoas e as denúncias dos casos.
“É necessário que haja o investimento na estrutura dessas delegacias, de modo que não façam com que elas revivam sua dor, sejam revitimizada dentro do ambiente policial e, sim seja um atendimento humanizado e esclarecedor de direitos dessas pessoas”, pontuou.
LGBTfobia é crime, com pena de prisão prevista em lei. Ao presenciar qualquer episódio de LGBTfobia, denuncie. Você pode fazer isso por telefone, ligando 190 (em caso de flagrante) ou 100 a qualquer horário; pessoalmente ou online, abrindo um boletim de ocorrência em qualquer delegacia ou em delegacias especializadas.
Em São Luís, as denúncias de ocorrências LGBTfóbicas podem ser feitas na Delegacia de Crimes Raciais, Delitos de Intolerância e Conflitos Agrários do Estado, localizada na Rua Rio Branco, 251, Centro.