Durante a pandemia de covid-19, inúmeras práticas sem comprovação científica foram usadas no combate à doença. O uso de ivermectina e cloroquina foi recomendado até mesmo por profissionais da saúde, se apoiando em uma mistura de ciência malfeita, fraude científica e pseudociência.

Mas essas práticas estão presentes na saúde pública desde muito antes da pandemia. A integração de pseudociências como homeopatia constelação familiar no SUS (Sistema Único de Saúde) foi aprovada pelo Ministério da Saúde em 2006, apesar da falta de apoio da comunidade científica.

Isto porque tais práticas não são efetivamente baseadas na ciência —apesar de tentarem se parecer com ela. “São iniciativas que usam a linguagem da ciência, querem mostrar publicações científicas, jargões científicos, especialistas… Se fantasiam de ciência, querendo usar a credibilidade que a ciência tem como instituição para vender um produto, serviço ou ideologia”, define a doutora em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak.

O IQC é o primeiro instituto brasileiro voltado à defesa de políticas públicas baseadas em evidências científicas. Uma de suas lutas é para que as chamadas Práticas Integrativas Complementares em Saúde (PICs) que foram incluídas no SUS em 2006, como homeopatia, ozonioterapia, reiki e aromaterapia, deixem de ser financiadas com dinheiro público.

Mas se não há comprovação científica, o que leva as PICs a serem oferecidas pelo SUS? Segundo Pasternak, não há dúvidas de que o lobby, pressão de grupos organizados com motivações financeiras sobre o poder público, foi decisivo neste processo.

“Eles aproveitam essa permeabilidade do sistema legislativo e jurídico brasileiro e por canetada mesmo, do Executivo ou do Legislativo, conseguem legitimar essas pseudociências de uma maneira que nunca conseguiriam de forma acadêmica ou científica.”

A especialista explica que a inclusão de tais práticas no SUS tem o impacto direto de que práticas sem comprovação científica são financiadas com dinheiro público, dividindo o orçamento com áreas da atenção básica de saúde, como vacinação ou distribuição de anticoncepcionais.

Por outro lado, sua inclusão no SUS oferece credibilidade a tais práticas. “O cidadão comum vai olhar para tudo isso e pensar que se está no SUS, é porque funciona, então vou usar.” Assim, é motivada a busca por tais práticas também fora da saúde pública.

Além disso, Pasternak afirma que o uso de tais práticas pode atrasar ou impedir o diagnóstico de doenças graves, que poderiam ser solucionadas se tivessem um diagnóstico claro e em tempo adequado.

“Você tratar uma pessoa com diversos tipos de queixas com práticas que não são comprovadas, mas oferecem um efeito placebo ou conforto momentâneo, mas não duradouro e muito menos curativo, pode atrasar o diagnóstico de um câncer que poderia ser removido cirurgicamente, ou o tratamento de diabetes que precisa começar o mais rápido possível”, exemplifica a pesquisadora.

Como combater as pseudociências?

Para Gabriela Bailas, física e comunicadora científica, o combate deve começar com a educação básica nas escolas, com o incentivo ao pensamento crítico e maior compreensão do papel das ciências no cotidiano.

Mas o reconhecimento no dia a dia do que é pseudociência não é fácil. “Esse é um exercício bem complicado, porque estamos falando de pessoas que enganam outras através da vulnerabilidade. Por melhor que seja o nosso pensamento crítico e por mais céticos que sejamos, no momento de vulnerabilidade e desespero acreditamos em tudo.”

Neste sentido, Bailas recomenda não acreditar em curas fáceis ou milagrosas, e fazer algumas perguntas básicas ao ler qualquer informação:

  • Quem disse isso?
  • Por que essa pessoa quer que eu acredite nisso?
  • O que ela ganha comigo acreditando nisso?
  • O que sei sobre esse tema e o que outras pessoas falaram sobre o assunto?

Além disso, o cuidado de jornalistas e comunicadores científicos faz diferença. “Muitos jornalistas ajudam na propagação de pseudociência ao reproduzir informação sem verificar ou conversar com cientistas”, explica.

Pasternak concorda que esta é uma missão complicada, e que o incentivo ao pensamento crítico é essencial. “Normalmente a gente diria para o cidadão se informar em fontes oficiais, mas no Brasil, se você entrar no site do Ministério da Saúde, vai ler uma descrição das PICs como se fossem a coisa mais maravilhosa do mundo”, comenta.

Por isso, é fundamental reconhecer e refletir sobre os mecanismos das pseudociências, que foram similares a muitos utilizados durante a pandemia de covid-19. “O que a gente vê hoje, e infelizmente isso é muito comum, são pessoas que foram absolutamente contra remédios milagrosos para covid-19 como cloroquina e ivermectina, mas protegem ardentemente técnicas igualmente sem plausibilidade como a homeopatia, e não conseguem perceber que o mecanismo para aceitação dessas técnicas é exatamente o mesmo.”

Fonte: Site TecMundo

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