Com frequência, os homens subestimam crises de enxaqueca. Por causa disso, uma dor inicialmente esporádica pode acabar tornando-se crônica – assim definida quando as crises aparecem pelo menos 15 vezes por mês, ao longo de um período de cerca de três meses.

“Os homens tentam aguentar a dor, e muitas vezes não conseguem descrever a enxaqueca e explicar suas queixas. E, acima de tudo, eles vão ao médico muito depois das mulheres”, explica Hartmut Göbel, da Clínica da Dor, em Kiel.

As mulheres são diferentes, argumenta. Elas reagiriam de forma mais rápida e intensa a sinais neurológicos, levando-os a sério. Já os homens tenderiam a tratar crises de enxaqueca como dores de cabeça fortes a serem resolvidas por conta própria, tomando algum medicamento livre de prescrição, por exemplo – mas o efeito dura poucos minutos.

Coisa de mulher?

Por muito tempo, a enxaqueca foi vista como coisa de mulher. Hoje, homens que sofrem com o problema têm atenção da ciência. Foi assim que pesquisadores descobriram que as crises deles são menos dolorosas e não costumam durar tanto em comparação com as mulheres. Além disso, é mais raro que homens procurem ajuda – e quando o fazem, costumam demorar mais.

“Mulheres são especialistas em dor, porque são acometidas por elas com maior frequência. Elas são melhores em falar sobre as queixas que têm, e em descrevê-las – algo que os homens não fazem tão bem”, diz Göbel.

A enxaqueca é uma das mais populares doenças ao redor do mundo: estima-se que, por ano, cerca de 15% da população mundial sofra desse mal. “Ela aparece com a mesma frequência ao redor do mundo, pelo menos nos países com estilo de vida ocidental. Mas há também regiões – como a África, por exemplo – onde os números são mais baixos”, pontua o neurologista. Ele ressalta que isso é uma questão que também depende da metodologia aplicada nas pesquisas.

A enxaqueca é uma doença genética

Homens tendem a crer que a forte dor de cabeça que sentem tem uma razão específica, mas essa ideia seria ultrapassada, afirma Göbel. “Muitos pressupõem, por exemplo, que frutas cítricas, chocolate ou queijo causem enxaqueca, e que essas crises poderiam ser evitadas abrindo mão desses alimentos.”

Entre as substâncias que podem causar dor de cabeça, o médico cita glutamato, nitrato e álcool – o primeiro pode ser encontrado em alimentos processados, enquanto o segundo está presente em alimentos embutidos e alguns tipos de vegetais. “Mas não estamos falando de enxaqueca. São dores de cabeça relacionadas a substâncias. A enxaqueca é genética.”

Göbel cita 38 genes de risco e 44 variações genéticas. “As variações genéticas comandam processos importantes no nosso corpo: quão rápido pensamos, quão profundamente sentimos algo, quão rápido nos damos conta de algum estímulo.” As dores fazem parte desses processos, e podem infernizar e incapacitar alguém por horas ou até mesmo dias.

O papel dos hormônios

Mudanças hormonais também influenciam o surgimento de uma crise enxaqueca. Nas mulheres, isso acontece de uma forma mais extrema: uma queda súbita dos níveis de estrogênio pode deixar o cérebro hipersensível, desencadeando uma enxaqueca. E enquanto esse hormônio estimula os nervos, o oposto ocorre no caso da testosterona.

Algumas pesquisas mostram que quando homens sofrem de enxaqueca há um nível elevado de estrogênio e reduzido de testosterona – essa correlação exata, contudo, ainda carece de mais pesquisas.

Além da questão hormonal, há também fatores como estresse, privação de sono e um estilo de vida prejudicial à saúde. Aqui, vale a mesma receita contra tantas outras enfermidades: cuidar da alimentação, dormir o suficiente e manter-se ativo.

Comorbidades perigosas

Homens que sofrem com enxaqueca também costumam enfrentar outras moléstias, as tais comorbidades: doença coronária, por exemplo, ataques de pânico, distúrbios do sono ou pressão alta – esta última costuma acometer principalmente homens e é fator de risco para um derrame. Outra comorbidade mais frequente entre homens é a depressão, que por sua vez pode retroalimentar a enxaqueca, fomentando um ciclo vicioso.

O que a aura e as telas de Picasso têm a ver com a enxaqueca?

O que para alguns pode soar algo esotérico é, com frequência, parte integrante da enxaqueca: a aura. Não no sentido espiritual da palavra, mas científico: a aura é o conjunto de sintomas neurológicos que, num caso típico, surgem 30 minutos antes do início de uma enxaqueca.

Esse quadro costuma ser mais intenso nos homens. “Homens têm muitas vezes auras complexas. Acontece de terem aura e a dor de cabeça não vir. Os pacientes sofrem com problemas para se concentrar ou falar, ou ficam vendo linhas em zigue-zague.”

Esse problema já afetou gente famosa, como o pintor espanhol Pablo Picasso, que teria convertido suas auras em pinturas. “Você encontra essas linhas em zigue-zague em várias pinturas dele. A distorção vertical dos rostos picassianos também é uma característica do estilo artístico dele”, explica Göbel.

Fonte: DW Brasil

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