Em 27 de junho deste ano, um jovem de 17 anos foi morto a tiros pela polícia durante uma blitz no subúrbio parisiense de Nanterre. Devido a isso, eclodiram protestos em toda a França contra a violência e o racismo da polícia. Um comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou ao governo francês que tomasse medidas contra o perfilamento racial.
O caso, tal qual a morte de George Floyd pela polícia dos Estados Unidos em 2020, mais uma vez deu destaque internacional ao racismo institucionalizado e à violência policial. A Alemanha também teve episódios de brutalidade por parte da polícia, como as mortes do requerente de asilo Oury Jalloh sob custódia policial, em 2005, e de um refugiado de 16 anos em Dortmund no verão passado.
Mas como pode ser definido o perfilamento racial? Respondendo de maneira objetiva, isso ocorre quando pessoas são abordadas pela polícia ou por outras autoridades devido a características como a cor da pele, etnia ou religião.
As abordagens podem incluir verificações de identidade, questionamentos, vigilância, buscas ou até mesmo prisões que não se baseiam em suspeitas concretas, mas apenas nas características externas, o que é considerado discriminatório porque coloca diversos grupos sob suspeita.
Com que frequência ocorre?
Vítimas e ONGs denunciam regularmente a ocorrência de perfilamentos raciais em abordagens policiais. “Não estamos falando apenas de casos isolados”, afirmou à DW Hendrik Cremer, advogado e pesquisador associado do Instituto Alemão de Direitos Humanos (DIMR). O difícil, porém, é apresentar conclusões empíricas sobre o fenômeno – pelo menos na Alemanha – porque há poucos dados disponíveis, segundo Cremer.
Dados de um estudo francês de 2017 mostram que homens jovens considerados negros ou árabes têm 20 vezes mais chances de serem parados para verificação de identidade na França do que o restante da população. Nos EUA, 41% dos negros americanos afirmam ter sido abordados ou detidos pela polícia por causa de sua etnia.
Embora pesquisas mais enxutas tenham sido realizadas, um estudo para saber mais sobre o perfilamento racial em toda a Alemanha está em andamento na Universidade da Polícia Alemã.
Em abril, a ministra do Interior, Nancy Faeser, do Partido Social-Democrata (SPD), defendeu a corporação, dizendo que “nossos policiais merecem todo o apoio e respeito. Eles trabalham dia e noite em condições difíceis, às vezes correm risco de vida, e defendem o Estado de direito e a democracia”. Faeser também insistiu, no entanto, que o surgimento e as ocorrências de preconceito devem ser combatidas de forma mais consistente.
Como as leis abordam o problema?
As questões legais envolvendo o tema variam de país para país. Tribunais dos EUA e do Reino Unido, por exemplo, reconhecem a prática como um problema. Em alguns estados americanos, como no Texas, o perfilamento racial é legalmente conceituado e explicitamente proibido.
Na Alemanha, não é assim. Embora os controles baseados apenas na aparência das pessoas violem a Constituição do país, as legislações policiais em nível federal e estadual ainda deixam espaço para manobras.
“Especialmente no caso da polícia federal, a base legal é problemática. A corporação tem autorização, em certos lugares, como trens, aeroportos e estações, para abordar pessoas sem motivo aparente. Mas o objetivo é verificar se as pessoas estão em situação ilegal na Alemanha”, disse Cremer à DW. E isso pode fazer com que policiais selecionem pessoas com base em características físicas, como a cor da pele, complementou.
Um exemplo de como a lei pode ser distorcida: um trem está cheio de passageiros brancos, com exceção de uma pessoa, a única não branca, que é a abordada. A polícia argumenta que fez a verificação porque, possivelmente, a pessoa carregava uma mala suspeita. Desta forma, outro “conceito” é acrescentado à característica externa, o que, na prática, não aponta para perfilamento racial, de acordo com o governo federal.
Cremer argumenta que esse não deveria ser o caso: “As leis, como estão no momento, fazem com que esses controles ocorram seguidamente. E as pessoas temem ser abordadas repetidamente e, assim, serem estigmatizadas em público.”
Quais são as consequências?
O perfilamento racial pode ter consequências profundas para os alvos. O fato de pertencer a um grupo populacional sob suspeita gera sentimentos de humilhação, alienação e desconfiança, além de estresse psicológico e físico.
A prática também pode reduzir a disposição dessas pessoas em cooperar com a polícia, que, em contrapartida, pode lidar mal em reação a certos casos.
Como evitar?
Uma estratégia para evitar o perfilamento racial é contratar uma força policial mais diversa e fortalecer sua competência intercultural. Algumas pesquisas, no entanto, apontam que isso não alcança os problemas estruturais.
“Na educação e no treinamento dos policiais, é preciso comunicar com mais ênfase no que exatamente implica a proibição da discriminação racial e até que ponto isso impõe barreiras ao trabalho policial”, disse Cremer.
E a responsabilidade disso não é apenas da polícia, mas também da legislação, já que o perfilamento racial é mais predominante onde a polícia não tem diretrizes legais concretas.
Outras medidas para combater o problema poderiam incluir a criação de órgãos independentes para analisar queixas e reclamações, requerer o registro pela polícia do histórico dos indivíduos abordados e educar a população em geral sobre como reconhecer e combater essa forma de racismo.
Em maio, Faeser anunciou um projeto de lei para a “modernização” das leis da polícia federal, incluindo maior transparência e uma triagem mais rigorosa para evitar que extremistas atuem na corporação.
Embora não mencione especificamente o perfilamento racial, há referência aos controles de fronteira, com o texto dizendo que a legislação “serve para esclarecer que qualquer tipo de discriminação não será tolerado na polícia federal” e que, de acordo com a Constituição, as autoridades devem exercer “discernimento tanto com relação à seleção de uma pessoa quanto com relação à execução das medidas […] para impedir ou interromper a entrada não autorizada no território federal”.
Se a lei for aprovada pelo Bundesrat, a câmara alta do parlamento alemão, com representantes dos estados, os policiais também serão obrigados a documentar o motivo pelo qual realizaram uma abordagem.
Fonte: DW Brasil