Bandeira nacional a meio-mastro, um pequeno buquê de cravos com as cores de Israel, azul e branco: cidadãs e cidadãos russos acorrem à embaixada israelense em Moscou para expressar suas condolências às vítimas do atentado do Hamas de 7 de outubro. Policiais conferem seus documentos. A situação é tranquila até o cair da tarde, assim como diante da representação palestina na capital.
“Tradicionalmente, a Rússia cultiva boas relações diplomáticas com ambos os lados, ao mesmo tempo em que mantém uma certa distância”, explica o especialista em Oriente Médio Ruslan Suleymanov, que vive no Azerbaijão. “Essas relações são, em parte, até mesmo de confiança, mesmo depois de a Rússia ter atacado a Ucrânia e a relação com Israel deteriorar, até certo ponto.”
Nesse contexto, ele recorda o comentário do ministro do Exterior russo, Serguei Lavrov, em maio de 2022. Referindo-se ao presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, ele afirmou que os “antissemitas mais ferrenhos” seriam, via de regra, os próprios judeus. O governo israelense condenou as palavras de Lavrov: seu então homólogo Jair Lapid classificou-as como “uma declaração imperdoável e ultrajante e um terrível erro histórico”. “No entanto, desde então nada de irreparável” aconteceu”, constata Suleymanov.
Contatos Kremlin-Hamas intensificados
O mesmo se aplica ao relacionamento com os palestinos, prossegue o especialista: “Esses contatos até mesmo se intensificaram nos últimos tempos. Representantes do Hamas vieram com frequência crescente a Moscou, pela última vez em março deste ano.”
Ele duvida que o Kremlin estivesse informado sobre os planos de um ataque em massa por parte do grupo radical islâmico Hamas. “Mesmo o serviço de esclarecimento militar israelense ficou totalmente surpreso”, diz o especialista, acrescentando que “não se descartava fundamentalmente em Moscou a possibilidade de tal cenário, mas ninguém contava com tais dimensões”.
A politóloga moscovita Elena Suponina também está segura de que a liderança do Kremlin de nada sabia. Além disso, ela não acredita que a Rússia poderia ter contribuído substancialmente para evitar o ataque, até por ter outras prioridades “de seu lado ocidental”, no momento, ou seja: a Ucrânia.
Por outro lado, ela supõe que no momento Moscou “esteja realizando esforços” para se coordenar sobre o conflito, sobretudo com seus outros parceiros na região, em especial com o Egito, Emirados Árabes, Catar e Irã. Mas a Rússia não vai tomar partido nem se engajar contra “atividades terroristas”. De fato, a posição oficial de Moscou é de repúdio à atual escalada do conflito entre palestinos e israelenses. O Ministério do Exterior a definiu como “o resultado de um círculo vicioso de violência” e fez um apelo à moderação.
“Ocidente”, eterno bode expiatório do Kremlin
Ao discutir o assunto nas redes sociais, propagandistas russos defendem basicamente três teses: que erros do “Ocidente” teriam provocado a escalada; que guerras se tornaram normalidade; e que os russos emigrados para Israel (em decorrência da guerra contra a Ucrânia) retornariam agora a seu país de origem.
O ex-presidente russo Dmitri Medvedev gosta muito de apelar para a tese de que “o Ocidente”, acima de tudo os Estados Unidos, seria culpado pela ofensiva do Hamas. Em seu canal do Telegram, ele afirma que a potência americana é um “player decisivo”, e faz uma ponte geopolítica para a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Segundo o atual vice-presidente do Conselho de Segurança russo, o conflito do Oriente Médio seria exatamente aquilo “de que seria melhor Washington e seus aliados estarem se ocupando”. Em vez disso, contudo, os “malucos” americanos “se intrometeram conosco, ajudando os neonazistas e jogando dois povos próximos [russos e ucranianos] um contra o outro”.
Suleymanov não leva a sério as palavras de Medvedev: “Ele está tão longe da realidade, há muito tempo não tem mais a menor influência.” E afirma que, embora também o Kremlin defenda que “o Ocidente” estaria provocando tais conflitos intencionalmente, tudo não passa de uma teoria de conspiração, pois na realidade o conflito entre Israel e os palestinos tem motivos bem outros.
Em sua opinião, o Kremlin estaria antes lucrando com a escalada de violência no Oriente Médio, já que “o ataque pelo menos desvia as atenções do que o Exército russo está fazendo na Ucrânia”. Tudo mais é propaganda para consumo interno russo – embora a maior parte da população seja indiferente ao conflito no Oriente Médio, considerando-o distante e complicado demais, ressalva o orientalista.
Isso talvez valha para a maioria, mas não para todos. Senão, não haveria flores diante da embaixada de Israel em Moscou, nem uma mulher segurando um cartaz de “Não ao terrorismo”. No entanto, ela não manteve sua posição por muito tempo: pouco depois a polícia a levou embora presa.
Fonte: DW Brasil
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