A China está mais perto de implementar uma nova diretriz que visa regular o tempo em que crianças e adolescente passam ao telefone, com o propósito de “combater o vício”. Alguns críticos, no entanto, se queixam dos limites impostos ao acesso a informações para um geração bastante sagaz em termos de tecnologia.

A regulamentação, cujo processo legal se inicia neste sábado (02) depois de o texto passar um período aberto à opinião pública, estipula que os smartphones e aplicativos já devem vir com um “modo para menores” instalado em fábrica, no intuito de restringir o uso dos aparelhos a no máximo duas horas.

O limite de tempo diminui de acordo com a idade do usuário, sendo que para as crianças com menos de 8 anos, o tempo máximo é de 40 minutos por dia. Além disso, os menores de 18 anos não poderão utilizar seus aparelhos entre as 22h00 e as 06H00.

Os pais poderão decidir se devem ou não adotar as restrições ou ampliar os limites das mesmas.

As regras, elaboradas pela Administração de Ciberespaço da China, também estabelecem a chamada “segurança de conteúdo” para assegurar que as informações online observem “valores socialistas” que possam ajudar as crianças a cultivarem a “boa moral”.

A agência reguladora chinesa alega que as diretrizes visam proteger os menores de acessarem informações identificadas como ilegais ou prejudiciais à sua saúde física e mental.

Elogios e críticas

Muitos pais viram com bons olhos a nova regulamentação do governo chinês. “Acho muito boa a proposta”, avalia Kong Lingman, de Xangai. “Os menores, quando passam muito tempo ao telefone, podem prejudicar a qualidade do tempo que as famílias têm para aproveitar juntas.”

Defensores das novas regras recorreram à rede social chinesa Weibo, deixando inúmeros comentários positivos nas postagens do governo que anunciavam as medidas.

Mas, as regulamentações também atraíram críticas. “O resultado de querer controlar tudo é que, no final, nada acaba sendo corretamente controlado”, afirmou um usuário da Weibo.

A proposta vem em seguida a uma série de medidas implementadas pelo governo chinês para reforçar o controle governamental sobre o espaço cibernético, desde 2019. Naquele ano, o governo limitou o tempo dos menores de 18 anos para jogarem vídeo games, em uma regra chamada de “modo para jovens”.

Distração da propaganda do governo

A instrução inicial era que os jovens pudessem ter 90 minutos por dia para jogos online durante a semana. Mas, em 2021, as regras foram endurecidas para no máximo uma hora por dia para jogar, nas sextas-feiras, fins de semana e feriados.

Aplicativos de vídeo e de transmissões ao vivo também foram orientados a seguirem o “sistema antivício”, que exige que todos os usuários se registrem com seus nomes verdadeiros, apresentando documentos de identificação emitidos pelo governo.

“Essa sequência de políticas segue, de fato, um padrão específico”, diz Tai Yu-Hui, professora de comunicação e tecnologia da Universidade Nacional Yang-Ming Chiao-Tung, em Taiwan. Segundo afirmou, a China tem como objetivo impor seu conceito de segurança nacional, com foco em três áreas: internet, entretenimento e jovens.

Um relatório divulgado nesta segunda-feira pelo Centro de Informações sobre Internet da China revelou que a taxa de penetração na internet passou de 76% em junho de 2023.

Com uma base de usuários de internet em expansão, vídeos em redes sociais e jogos online podem ser percebidos como formas capitalistas de entretenimento, ou como uma distração da propaganda do governo.

Segundo Tai, desde que o presidente chinês, Xi Jinping, assumiu o cargo, há uma década, “criou-se uma tendência de integração da ideologia política no conteúdo diário de entretenimento”.

Em março, um artigo técnico divulgado pelo Conselho do Escritório de Informações de Estado delineou um objetivo claro de assegurar que a internet “se desenvolva dentro dos limites da lei”.

Mais um duro golpe para as tech

Uma vez que os pais têm a palavra final sobre a adoção das novas regras, os pesquisadores avaliam que ainda não está claro qual será o impacto das novas restrições sobre as crianças.

Entretanto, quem já sentiu os efeitos foram as empresas chinesas de tecnologia. No mesmo dia em que as diretrizes foram anunciadas, suas ações despencaram na bolsa de Hong Kong.

Essas empresas incluem a Weibo, o serviço de streaming de vídeos Bilibili, a plataforma de vídeos curtos Kuaishou e a Tencent, que opera o popular aplicativo de mensagens WeChat.

Há cerca de dois anos, quando as autoridades chinesas reforçaram as regras do “modo para jovens”, diversos aplicativos implementaram medidas para aderir às diretrizes.

A Douyn, o equivalente chinês do TikTok, implementou um “modo para adolescentes”, que restringiu crianças com menos de 14 anos a 40 minutos por dia de uso.

Autocensura?

As novas restrições devem levar as empresas de tecnologia a realizarem novas revisões de suas configurações para usuários, de modo a evitar possíveis violações.

Segundo Tai, este é mais um revés para a indústria, em um momento em que um longo período de rigidez regulatória sobre o setor parecia estar chegando ao fim.

A especialista avalia que, uma vez que as diretrizes se referem a informações ilegais ou mentalmente prejudiciais sem definições mais específicas, as empresas de tecnologia poderão “recorrer à autocensura para evitar cruzar qualquer linha vermelha”.

Fonte: DW Brasil