Maior feira internacional do ramo automobilístico, repaginada desde 2021 como evento de mobilidade, a IAA, Feira Internacional de Automóveis, abriu suas portas ao público nesta terça-feira (05) em Munique, na Alemanha.
Até o domingo, grandes players do setor – fabricantes, fornecedores, empresas de tecnologia e start ups – apresentam seus produtos e soluções ao mercado.
O evento bianual, tradição desde 1897 em um país que se consagrou como nação do automóvel e da Autobahn – as vias expressas detestadas por ativistas do clima, em função das altas emissões de carbono –, ocorre desta vez em um contexto de crise da indústria automobilística alemã, que viu a demanda por carros, especialmente elétricos, despencar junto com o poder de compra de uma população exaurida pela inflação.
A economia alemã vacila. Para os fabricantes de automóveis, há ainda outro problema estrutural que agrava esse quadro: a transição para a mobilidade elétrica e para os carros com piloto automático, que acena com um horizonte de custos altos por tempo indeterminado. Representantes da indústria argumentam que essa transição precisará ser financiada com os lucros da venda dos carros movidos a combustíveis fósseis – estes cada vez menos desejados ante a necessidade de reduzir as emissões globais de carbono.
Até o primeiro semestre deste ano, Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW reportaram lucros crescentes. As previsões para o ano de 2023 como um todo, porém, decepcionaram investidores e acionistas. A escalada inflacionária e dos juros abafou as expectativas; a demanda por carros novos caiu.
Presidente da VDA, associação do ramo, Hildegard Müller pondera que houve aumento de produção, mas as vendas ainda estão cerca de um quinto abaixo dos níveis pré-crise de 2019. A situação é pior para os carros elétricos, cujas vendas estão em 60% do volume de 2022.
Boom de carros elétricos na China
Enquanto isso, a China, o maior e mais importante mercado automobilístico do mundo, segue liderando o ranking de novos registros de veículos elétricos e já responde 50% desses carros em circulação em todo o planeta. A indústria de lá também prospera, e a única concorrência real, no momento, é a montadora norte-americana Tesla.
Compradores chineses, especialmente os de alta renda, agora dão preferência a marcas nacionais. Campeã de vendas, a BYD comercializou 29% mais carros elétricos não-híbridos no primeiro semestre do que a Tesla – segundo os números mais recentes da CPCA, associação chinesa do ramo. Já a Volkswagen chinesa, que liderou o setor por décadas, foi superada pela BYD no primeiro trimestre, com um volume de vendas quase vinte vezes superior ao da empresa alemã.
A VW agora tenta reagir com uma parceria com a montadora chinesa Xpeng nas áreas de mobilidade elétrica, software e direção autônoma, com aporte de 700 milhões de dólares na startup. Por ora, o plano abarca dois modelos elétricos da VW, com previsão de lançamento em 2026 no mercado chinês.
Baque também no setor de carros de luxo
Consultoria voltada para o setor automobilístico, a Berylls aponta em seu estudo mais recente mudanças também no segmento premium, onde os chineses estariam “ultrapassando na faixa rápida” tradicionais fabricantes alemãs de carros de luxo como Porsche e Audi – do conglomerado Volkswagen –, Mercedes e BMW.
Os resultados, segundo Willy Wang, diretor-gerente da Berylls Strategy Advisors China, “são alarmantes para os fabricantes alemães”. “Os concorrentes chineses estão claramente à frente em muitos aspectos na percepção do cliente”, avalia. A transição para a mobilidade elétrica teria mudado o cenário radicalmente.
Antes, carros alemães de luxo eram considerados símbolos ideais de status para a classe média e alta emergente na China, enquanto as marcas locais eram associadas a atraso tecnológico e qualidade duvidosa.
O trunfo hi-tech das fabricantes chinesas
Agora, os veículos de produção chinesa se destacam principalmente por recursos digitais, como os sofisticados sistemas de assistência e entretenimento, valorizados nas metrópoles por causa do tráfego intenso. Quanto às características premium tradicionais, como conforto e qualidade, a clientela, segundo o estudo da Berylls, os vê como equivalentes ou ligeiramente melhores em comparação com as fabricantes e montadoras estrangeiras já estabelecidas.
A tecnologia hoje pesaria mais do que os valores tradicionais na decisão de compra dos chineses. A Berylls aponta que o motivo para comprar carros de luxo alemães é principalmente a marca; já no caso dos carros chineses, é o produto.
Nenhum fabricante alemão no top 10
80% dos carros movidos a bateria na China são produção doméstica. Entre os dez principais fornecedores, só a Tesla é estrangeira; marcas alemãs deixaram de ter um papel nesse segmento.
No mercado automobilístico chinês como um todo, o que inclui carros movidos a combustíveis fósseis, as marcas chinesas superarão as estrangeiras neste ano pela primeira vez em décadas, abocanhando 51%. Projeções da consultoria AlixPartners indicam que essa parcela pode chegar a 63% até 2030.
China campeã de exportações de carros
Quanto à Europa, a AlixPartners prevê que as vendas de automóveis no continente no longo prazo fiquem mais de 15% abaixo dos níveis pré-pandêmicos, com fabricantes europeias cada vez mais pressionadas pela concorrência com os chineses no setor de mobilidade elétrica.
No primeiro trimestre de 2023, a China desbancou o Japão na liderança mundial em exportações de automóveis – em 2020, o país detinha a sexta posição da lista.
A China, afirma Fabian Piontek, da AlixPartners, “está a caminho de se tornar uma superpotência automobilística”, destacando-se tanto em termos de mercado consumidor quanto em termos de produção e exportação. As fabricantes europeias, enquanto isso, assumem cada vez mais uma posição defensiva. Seria o fim da era dos lucros recordes das fabricantes alemãs? Para Piontek, a resposta é sim.
Fonte: DW Brasil