O presidente do Chile, Gabriel Boric, assinou nesta quarta-feira (30/08) um decreto que dá início a uma política sem precedentes de busca sobre o destino das vítimas de desaparecimentos forçados durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
“Tenho a convicção de que a democracia é a memória e o futuro, e não pode ser uma sem a outra”, disse o mandatário chileno durante uma cerimônia emotiva, rodeado de políticos, ativistas dos direitos humanos e parentes das vítimas.
“Assumimos a responsabilidade como Estado, e não apenas como governo, de remover todas as barreiras para esclarecer as circunstâncias do desaparecimento ou morte das vítimas de desaparecimento forçado”, enfatizou.
Política permanente e sistemática
A intenção é que o plano consista em uma “política nacional permanente e sistemática” para esclarecer o destino dos desaparecidos, calculados em 1.469 pessoas, das quais apenas 307 foram encontrados.
Entre os objetivos desta política pública está a “localização, recuperação, identificação e restituição dos restos mortais das vítimas de desaparecimento forçado”, todos eles opositores políticos da ditadura ou militantes de esquerda.
“O Estado não respondeu às famílias, nem à sociedade em geral, para dar as respostas que o país precisa, os desaparecidos são desaparecidos para todos nós”, sublinhou o chefe de Estado chileno.
Um dos desafios mais complexos que esta política enfrenta é “reconstruir as trajetórias das vítimas de desaparecimento forçado, incluindo a sua detenção e sequestro até o seu destino final”.
Prestação de contas à sociedade
O processo inclui também a prestação de contas à sociedade chilena sobre o andamento dos processos, assim como a implementação de medidas de reparação e garantias de não repetição da prática de tais crimes.
“O Estado chileno nunca deu uma explicação ou mostrou deferência às esposas, filhos e filhas, mães e pais, netos e netas dos desaparecidos, enquanto suas famílias procuravam desesperadamente”, disse a presidente da Associação de Familiares de Detidos e Desaparecidos (AFDD), Gaby Rivera, em seu discurso.
A líder da AFDD destacou a “vontade política” do presidente e insistiu no acompanhamento que os grupos de familiares farão para a implementação desse plano.
Até agora, as circunstâncias dos que foram declarados desaparecidos não foram investigadas. Parentes desconfiam que os militares chilenos escondem informações sobre o destino das vítimas e pedem a liberação de arquivos.
Verdade e Justiça
O projeto, oficialmente conhecido como Verdade e Justiça, terá orçamento e pessoal exclusivo, com investigadores encarregados de reconstruir os últimos dias das vítimas.
No início desta semana, o Departamento de Estado dos EUA desclassificou os briefings apresentados a Richard Nixon, o presidente americano na época, em 8 e 11 de setembro (dia do golpe de Estado chileno). Os relatórios mostram como ele foi informado sobre o golpe iminente no Chile, que fez parte da onda de ditaduras militares na região na década de 1970.
Documentos encontrados nos EUA também revelaram o apoio ativo do então governo brasileiro na execução do golpe militar no Chile.
Legado de abusos
Pinochet tomou o poder num golpe de Estado sangrento apoiado pelos EUA em 11 de setembro de 1973 e permaneceu governando até 1990.
Durante a sua ditadura, cerca de 40.175 pessoas foram executadas, detidas ou desapareceram ou foram torturadas como prisioneiras políticas, segundo o Ministério da Justiça do Chile. Segundo os relatórios governamentais, das 1.469 vítimas de desaparecimentos forçados, 1.092 foram detidas secretamente e 377 foram executadas.
Pinochet morreu em 2006, aos 91 anos, e nunca foi condenado pelos crimes cometidos durante o período que comandou o Chile. Muitos têm pressionado o governo por mais respostas e pela responsabilização dos envolvidos nos crimes da ditadura.
Fonte: DW Brasil
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