Num emocionante e inesperado retorno à vida pública, o escritor Salman Rushdie fez sua primeira aparição desde o ataque a faca que quase tirou sua vida no ano passado.
Na noite desta quinta-feira (18), o romancista recebeu pessoalmente um prêmio honorário da organização americana sem fins lucrativos PEN America, que defende a liberdade de expressão e da qual ele já foi presidente.
A presença dele no baile de gala, realizado em um museu em Nova York, não havia sido anunciada previamente, surpreendendo os cerca de 700 convidados com um discurso emocionado.
“O terrorismo não deve nos aterrorizar. A violência não deve nos deter. A luta continua”, declarou Rushdie em francês, espanhol e inglês, segundo um comunicado da PEN America.
O escritor de 75 anos disse ainda que “é bom estar de volta”. “Ao contrário de não estar de volta, o que também foi uma possibilidade. Estou feliz que os dados rolaram dessa maneira”, afirmou.
Rushdie, que mora em Nova York há 20 anos, perdeu a visão de um dos olhos após ser esfaqueado enquanto se preparava para dar uma palestra na região oeste do estado de Nova York, em 12 de agosto de 2022.
Ao receber o prêmio nesta quinta, ele agradeceu aos seguranças e membros da plateia que intervieram e enfrentaram o agressor no momento do atentado.
“Aceito este prêmio em nome de todos aqueles que vieram ao meu resgate”, disse. “Se não fosse por essas pessoas, eu certamente não estaria aqui hoje. Eu fui o alvo naquele dia, mas eles foram os heróis. A coragem naquele dia foi toda deles. Devo minha vida a eles.”
Acusado de blasfêmia
Ataques contra Rushdie já eram temidos desde os anos 1980. O escritor recebe ameaças há décadas, e existe inclusive uma recompensa oferecida por organizações iranianas de mais de 3 milhões de dólares (R$ 15 milhões) a qualquer pessoa que o mate.
Seu romance Os versos satânicos, de 1988, foi considerado uma blasfêmia por algumas autoridades muçulmanas, que interpretaram um dos personagens como um insulto ao profeta Maomé, entre outras críticas. Protestos muitas vezes violentos irromperam contra Rushdie, que nasceu na Índia em uma família muçulmana. Um desses protestos acabou com 12 mortos em Mumbai, sua cidade natal.
O livro foi proibido no Irã, onde o então aiatolá Ruhollah Khomeini emitiu em 1989 uma fatwa e editou um decreto pedindo a morte de Rushdie – Khomeini morreu naquele mesmo ano. O atual ditador do Irã, aiatolá Ali Khamenei, nunca emitiu uma fatwa própria, mas em 2018 usou as redes sociais para afirmar que o decreto do seu antecessor contra Rushdie continuava em vigor.
As ameaças de morte levaram Rushdie a se esconder sob um programa de proteção do governo britânico, que envolvia segurança armada 24 horas por dia. Rushdie reapareceu depois de nove anos de reclusão e cautelosamente retomou as aparições públicas, mantendo suas críticas abertas ao extremismo religioso e se tornando um ícone da liberdade de expressão.
O escritor obteve cidadania americana em 2016. Ele venceu em 1981 o Booker, principal prêmio da literatura em língua inglesa, pelo livro Os filhos da meia-noite.
Dias após o ataque a faca no ano passado, o governo do Irã negou “categoricamente” estar envolvido diretamente na tentativa de assassinato, mas justificou o atentado, atribuindo a culpa do crime à própria vítima. Antes de o governo iraniano divulgar comentários sobre o ataque, vários jornais do país – que vive há décadas sob o regime totalitário religioso – celebraram abertamente o atentado contra Rushdie. Algumas publicações compararam Rushdie a “Satã” e apontaram que “a mão do agressor merecia ser beijada”.
O ataque
Em 12 de agosto de 2022, Rushdie se preparava para dar uma palestra em uma conferência literária na pequena cidade de Chautauqua, no interior de Nova York, quando um homem armado com uma faca invadiu o palco e o apunhalou cerca de dez vezes.
O agressor foi contido por espectadores e seguranças do local e, logo depois, foi detido pela polícia. Hadi M., um jovem de 24 anos de Nova Jersey com ascendência libanesa, se declarou inocente das acusações de agressão e aguarda julgamento na cadeia.
Em fevereiro, próximo ao lançamento de seu último romance, Victory city, Rushdie disse em sua primeira entrevista desde o ataque que teve muita dificuldade para escrever e estava sofrendo de estresse pós-traumático.
Fonte: DW Brasil
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